sábado, 28 de março de 2009

Não cabimento da ação rescisória nos Juizados Especiais Cíveis: o que fazer?






Por Wilson Tavares Bastos e Rosângela Tremel


Considerações iniciais



O Judiciário deve ser célere na busca da prestação jurisdicional. Fato inconteste. Para tanto, o legislador tem lançado mão de diversos institutos a fim de que a morosidade processual deixe de ser um estorvo na vida do jurisdicionado. Com este fito surgiram a antecipação de tutela, o procedimento sumário no processo civil, as mudanças no Código de Processo Civil no que tange ao agravo e aos Embargos à Execução e, finalmente, porém não tão recente, a instituição dos Juizados Especiais Cíveis, regulados pela Lei n.º 9.099/95.

Nesse afã de aprimorar o sistema, entretanto, pode ocorrer que o legislador crie certos dispositivos os quais, sob a bandeira da celeridade e da imutabilidade das decisões judiciais, tornam-se verdadeira facas de dois gumes àquele que eventualmente venha a bater às portas do judiciário e tenha que arcar com uma sentença viciosa, nula e até mesmo inconstitucional.

Por isso, esse presente estudo tem por finalidade demonstrar os males trazidos pelo artigo 59 da Lei n. 9.099/95, em virtude da impossibilidade do ajuizamento da ação rescisória no âmbito desta lei, bem como a inadmissibilidade de o magistrado ficar inerte diante de um decisum eivado dos vícios que compõem o artigo 485 do Código de Processo Civil, usando outros dispositivos legais a fim de contornar essa impossibilidade e, assim, restabelecer a credibilidade das decisões judiciais.

Ação Rescisória

Com previsão no capítulo IV do título IX do livro I – Processo de Conhecimento, mais especificamente nos artigos 485 a 495 do Código de Processo Civil, a ação rescisória é um instituto cuja função precípua é a de expurgar do mundo jurídico a eficácia da coisa julgada. Vale ressaltar que a adoção deste instituto pelo
direito brasileiro mereceu elogios de Pontes de Miranda, para quem o sistema de desconstituição da coisa julgada "é um dos melhores do mundo"

A a cão rescisória é um meio de provocar a impugnação e o conseqüente reexame de uma decisão judicial; possui, portanto, nas lições de Nelson Nery Junior natureza constitutiva negativa quanto ao juízo rescindendo, dando ensejo à instauração de outra relação processual distinta daquela em que foi proferida a decisão rescindenda.

Muito embora o texto do artigo 485 do Código de Processo Civil dê a entender que a rescisão recai sobre a sentença de mérito transitada em julgado, o que se busca realmente não é apenas rescindir a sentença, e sim a desconstituição da coisa julgada. Isso porque, após a procedência o julgamento da ação rescisória, não mais terá o efeito de ação rescisória. De forma mais clara, expõe, nesse sentido, o professor Bolívar Viégas Peixoto, prelecionando que “depende a ação rescisória de ter havido o trânsito em julgado da sentença ou do acórdão que se pretende rescindir. Assim, o termo mais apropriado não é o de rescindir a sentença, mas rescindir a coisa julgada e não a sentença em si”

O artigo 485 do Código de Processo Civil elenca a possibilidade da sentença de mérito ser rescindida nas hipóteses enumeradas nos incisos desse dispositivo legal. No entanto, o caput do referido artigo dispõe os requisitos necessários para a cogitação inicial da rescisão da sentença, tendo em vista que apenas após o seu cumprimento é que serão analisadas as hipóteses enumeradas em seus incisos, arrolados em numerus clausus. Desta forma, tem-se como condições iniciais: que a sentença seja de mérito e que tenha transitado em julgado. Quanto à segunda exigência não há maiores delongas, haja vista que a sentença ainda não transitada em julgado ainda pode ser impugnada pelos recursos cabíveis. Já quanto à necessidade de que a sentença seja de mérito, entende-se que apenas aquelas decisões que estejam sob a lápide da res judicata materialis é que podem ser atacadas via ação rescisória. Assim, entende-se que as decisões que extinguem o processo sem julgamento do mérito não podem ser objetos da aludida ação. Tal impossibilidade, todavia, não é absoluta, já que, conforme foi citado por Elpídio Donizetti Nunes, houve precedente jurisprudencial admitindo a ação rescisória quando a sentença, embora não seja de mérito, possa impedir a discussão da matéria de fundo, como é o caso da sentença que põe termo ao feito considerando o autor parte ilegítima .

A elucidação das condições primárias para o ajuizamento da ação rescisória até aqui tecida é suficiente para obtenção de parâmetros acerca das discussões a seguir expostas.

A Lei n. 9.099/95 e a vedação da rescisória pelo seu artigo 59


Diante da necessidade de uma prestação jurisdicional rápida e eficaz, e, por força do artigo 98, I da Constituição da República, foi instituída a Lei n. 9.099/95 – que trata dos Juizados Especiais, tema anteriormente disciplinado pela Lei n.7244/84. Tal lei definiu as normas para julgamento e execução de causas cíveis e criminais de menor complexidade.

Como corolário dessa agilidade, o artigo 2º deste diploma legal dispõe acerca dos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade, bem como realça a busca incessante pela conciliação ou a transação. Já o artigo 3º define a competência do Juizado Especial Cível para o julgamento das causas cíveis de menor complexidade. Também não admite qualquer forma de intervenção de terceiro ou assistência. Tudo pela celeridade.

O que causa espanto, todavia, é o teor do artigo 59 da Lei n. 9.099/95, que prescreve a admissibilidade do ajuizamento da ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por aquela Lei. Qual foi a intenção do legislador ao elaborar tal dispositivo legal? Simplesmente a imutabilidade das sentenças proferidas no âmbito daquela lei? Entende-se que não. Não há qualquer razão para que, respeitados os limites de instâncias, as decisões proferidas pelos juízes singulares ou pelas turmas recursais tenham predominância sobre aquelas proferidas pelos juízes comuns ou tribunais. Afinal, todas as sentenças devem, a princípio, obedecer os requisitos do artigo 98, III da Lei Maior, não havendo o porquê da distinção.

Diante da exclusão dessa alternativa, não resta outra conclusão senão a de que tal vedação apenas foi criada com o escopo de proteger a celeridade processual; e assim fazendo, o fez mal. Por quê? Porque esse afã em estabelecer a celeridade da prestação da tutela jurisdicional, no caso do artigo 59 da Lei n. 9099/95 pode vir a comprometer a credibilidade desta própria prestação jurisdicional, dando margem a decisões sem qualquer fundamentação legal, ou mesmo contra dispositivos de ordem pública. Ademais, essa celeridade buscada jamais seria alcançada, tendo em vista que a parte sucumbente dificilmente se conformaria com uma decisão eivada de vícios e transitada em julgado. O vencido usaria de todos os meios para protelar a sua execução; opondo embargos à execução; embargos de declaração improcedentes, recursos; ou mesmo fraudando a execução, ainda que fosse apenado como litigante de má-fé. Trata-se de um sofisma, portanto.

Pelas circunstâncias que cercam a necessidade de um provimento judicial rápido e a segurança jurídica, pergunta-se: é razoável por em risco a segurança conferida a ação rescisória, mesmo que pelo exíguo prazo de 2 anos em detrimento da rapidez? Há razoabilidade ao prevalecer uma sentença rápida e eivada pelos vícios arrolados no artigo 485 do Código de Processo Civil? Certamente que não é o posicionamento do mundo jurídico preferir uma sentença rápida a uma sentença viciosa, que pode, inclusive, infringir matérias de ordem pública. Ora, se nem mesmo o instituto constitucional da coisa julgada é entendido de forma absoluta , pela constitucionalidade do artigo 485 e seguintes do CPC, por que razão deveria ser entendido de forma diferenciada pela Lei n.9.099/95?

Para um procedimento que já se encontra limitado pela impossibilidade da interposição de Recurso Especial, por força da súmula 203 do Superior Tribunal de Justiça , que reconhece apenas a interposição deste Recurso a partir das decisões emanadas pelos Tribunais, conforme expõe o artigo 105, III da Constituição da República,a revogação do artigo 59 da Lei n. 9.099/95 se faz necessária a fim de que a credibilidade das decisões judiciais não seja abalada. Afinal, diante da morosidade ainda reinante, tudo o que o judiciário não quer é ver suas decisões serem alvo de desconfiança, já que, diante da impossibilidade da interposição de Recurso Especial contra decisões das turmas recursais, há o receio (nunca se sabe) da difusão de decisões expressamente contrárias à lei federal por alguns juizados e turmas recursais.

Desta forma, estes articulistas fazem sua a opinião de Nelson Nery Junior ao defender a revogação do artigo 59 da Lei 9099/95,.


O artigo 59 da Lei n. 9099/95 e o princípio a eqüidade


Mesmo diante da plena vigência do artigo 59 da Lei n.9099/95, a única forma apta para se opor a sentença transitada em julgado, alegada nos incisos do artigo 485 do CPC seria em sede de embargos à execução, cujos fundamentos apenas poderiam versar acerca das hipóteses elencadas no artigo 52, IX da Lei 9.099/95 e as do artigo 741 do Código de Processo civil, dentre as quais não se encontra qualquer correlação com as hipóteses enumeradas no artigo 485 do CPC.

Hipoteticamente pergunta-se : Como se portaria o magistrado ao se deparar com uma sentença que foi proferida pelo juiz anterior, que se descobre parente da parte? Ou, ainda no campo das hipóteses, como ele procederia diante de uma decisão judicial transitada em julgado que ofendesse a coisa julgada? Julgaria ele improcedentes os embargos por ausência de previsão legal? De certo que esta não seria a opção mais justa.

Desta maneira, o julgador poderia utilizar do dispositivo legal inserido no artigo 6º da Lei 9.099/95 , dispositivo este que o permite adotar, em cada caso a decisão mais equânime. Este mecanismo é de grande importância, devendo ser entendido de forma ampla no caso vertente. Assim, mostra acorde a lição de Nelson Nery Junior, para quem “o juiz não está adstrito ao critério da estrita legalidade. Não por eqüidade pura, mas temperada com os “fins sociais da lei”, conforme dita o dispositivo ora comentado. Na verdade, o critério legal de julgamento das lides deduzidas perante os juizados especiais é, também, especial, pois foge da rígida dicotomia clássica entre jurisdição de direito e jurisdição por eqüidade” Isto posto, tem-se margem para um critério subjetivo à avaliação do direito ora viciado, diante da falta de previsão legal para a sua devida aplicação, como é o caso do acolhimento das razões fundadas nos incisos do artigo 485 do Código de Processo civil em sede de Embargos à Execução.

Certamente que o juiz não poderá ficar inerte diante do inconformismo da parte em virtude de uma decisão que venha ferir as matérias de ordem pública. O seu provimento jurisdicional não poderá ficar de engessado diante de uma norma que, definitivamente, não possui fim social, como é o caso do artigo 59 da Lei 9.099/95. Poderá, contudo, diante o permissivo do artigo 6º da mencionada lei, atender às exigências do bem comum, que se constituem antes de tudo, no primado da credibilidade das decisões judiciais.

Alerta-se, todavia, que o uso indiscriminado desse dispositivo como uma pseudo ação rescisória (já que apenas poderia ser argüida, a princípio em sede de embargos à execução) poderia se tornar a já referida “ faca de dois gumes”, posto que a sua aplicação indevida (como é o caso de interpretações contra legem, por exemplo) poderia mitigar de vez a força da coisa julgada material, novamente levando em consideração a impossibilidade da interposição de Recurso Especial contra as decisões das turmas recursais.
Ante o exposto, advoga-se que melhor seria, para a devida manutenção da segurança jurídica, que o legislador revogasse o artigo 59 da Lei n. 9.099/95 para que o artigo 485 e seguintes do CPC tivessem aplicabilidade nos Juizados Especiais.


Considerações Finais


Como foi visto, a coisa julgada gerada por uma decisão judicial de mérito transitada em julgado poderá ser rescindida nas hipóteses elencadas nos incisos do artigo 485, do CPC. Tal instituto foi criado a fim de manter a credibilidade das decisões judiciais, sendo tal dispositivo legal, contudo, inaplicável no âmbito da Lei n. 9.099/95 ex vi de seu artigo 59.

A norma do artigo 59 da Lei n. 9.099/95, criada com o escopo de contribuir para o instituto da celeridade, não alcançou tal objetivo, tornando-se, destarte, uma norma sem fim social, o que a faz destoar do diploma legal específico, a ponto de permitir que se sugira sua retirada do ordenamento jurídico,pois, além de sua inutilidade completa, pode vir a se tornar um verdadeiro celeiro de decisões contrárias à lei, à ordem pública e, principalmente, à Constituição.

Que se saliente, entretanto, que a vigência de tal preceito legal não constitui óbice para o julgador apreçar, reconhecer e afastar uma decisão inconstitucional ou mesmo nula ou anulável na oportunidade da oposição de Embargos, aplicando a eqüidade prevista no artigo 6º da Lei n. 9099/95 para adicionar os incisos do artigo 485 no rol das hipóteses argüíveis sob forma de Embargos. Em síntese, ao presenciar uma sentença que tenha sido proferida por juiz impedido, que venha a ofender a coisa julgada ou mesmo quando se verificar que se funda em qualquer das possibilidades arroladas nos incisos do artigo 485 do CPC, o magistrado poderá aplicá-las, mesmo na ausência previsão legal para tanto.

O princípio da eqüidade deve, não obstante, ser usado com parcimônia para que os seus efeitos não surtam efeitos contrários aos pretendidos, vindo a subverter o real sentido da norma descrita no artigo 6º da Lei 9.099/95.


Notas

MIRANDA, Pontes de. Tratado da Ação Rescisória. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1976, § 56, p. 631.

NERY JUNIOR, Nelson – Código de Processo Civil Comentado e Demais Legislação Extravagante. 7ª ed. RT. São Paulo, 2003. pág. 829.
PEIXOTO. Bolívar Viégas. Iniciação ao Processo Individual do trabalho. 4ª Ed. Forense. Rio de Janeiro, 2004. pág. 478
Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja
VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
§ 1º. Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.
§ 2º. É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.

JTAERGS 70/190
NUNES,Elpídio Donizetti. Curso Didático de Direito Processual Civil. 4ª Ed. Del Rey. Belo Horizonte. 2003. pág. 346/347
A tendência à relativação da coisa julgada tem, efetivamente, ganho ilustres adeptos, tais como CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. Relativizar a coisa julgada material. In: Ajuris, n. 83/33, e Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, v. 19/5-31, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR e JULIANA CORDEIRO DE FARIA. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. In: Revista do Ministério Público, n. 47, p. 115-147, e Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, v. 19/32-52. JOSÉ AUGUSTO DELGADO. Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais protegidas. In RePro, n. 103/9; SÁLVIO FIGUEIREDO TEIXEIRA in REsp 226436/PR, J. 28.06.2001, dentre outros.
Súmula 203 Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.
NERY JUNIOR, Nelson Ob. Cit. Pág. 1548
Art. 6 Lei 9099/95 O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.
NERY JUNIOR, Nelson Ob. Cit. Pág. 1526

Gerenciamento costeiro: a urgência da Santa e bela Catarina


Por Rosângela Tremel, advogada, jornalista, administradora de empresas, professora de Direito Público em grau de Mestre para graduação e pós graduação, Especialista em Advocacia e Dogmática Jurídica em Marketing e em Ciências Sociais, co-autora do livro Lei de Responsabilidade Fiscal, publicado pela Editora Atlas, colaboradora de periódicos nacionais especializados.
Ilter José Godoi de Castilhos, técnico em agropecuário, bacharel em Ciências Econômicas, bacharelando em Direito.

Dinâmica expressão derivada do inglês management, o gerenciamento costeiro nacional vem sendo pensado desde 1982, quando foi criada a Subcomissão Internacional para recursos do mar, responsável pela Lei n. 7.661/88 que instituiu o Plano Nacional. Pensada, porém carente de ação. O objetivo do diploma legal é dar garantia de proteção à costa brasileira, entendida como a soma dos territórios dos municípios litorâneos e adjacentes, acrescida de faixa marinha. Nesta área concentra-se grande parte da população brasileira em ocupações freqüentemente feitas de forma desordenada, com comprometimento da qualidade estética e ambiental, bem como transmuta-se em cenário de seguidos conflitos de mau uso de recursos naturais. Esses fatos requerem adequada normatização, além de focada e imediata ação, como resultado da soma de esforços do Estado e da Sociedade para definir a forma de ocupação do solo nas regiões costeiras, posto ser esta premissa para a qualidade de vida das populações que aí habitam, bem como para atividade turística auto-sustentável, preocupação constante do Estado de Santa Catarina.
O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro consiste em compromisso balizado pelo princípio da observância da Política Nacional de Meio Ambiente e da Política Nacional para os Recursos do Mar, de forma articulada e compatibilizada com as demais políticas incidentes na sua área de abrangência. Trata-se de marco histórico no que se refere á necessidade de normatizar a utilização racional e sustentável dos recursos naturais da costa marítima brasileira, que, em 1987, nos termos do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro (GERCO), deflagrou ação piloto em seis Estados: Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Há 20 anos o diploma legal aguarda aplicação prática.
O presente artigo comenta a urgência da necessidade de efetivo Gerenciamento Costeiro em Santa Catarina, estado de vocação turística centrada no mar, bem como realça a importância da ação local como fórmula para tornar eficiente, eficaz e efetiva esta forma de preservação ambiental voltada para área nobre deste país tropical, através da alocação de recursos financeiros aos Estados e Municípios para gestão/execução de seus projetos, posto que conhecem em minúcias seus problemas ambientais.
No Estado de Santa Catarina, destacam-se duas Leis que têm o condão proteger a Zona Costeira catarinense: a Lei n. 5.793/80, regulamentada pelo Decreto n. 14.250/81 que protege os ecossistemas costeiros e o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, previsto a Lei n. 13.553/05, regulamentada pelo Decreto n. 5.010/06, definindo objetivos, princípios gerais, instrumentos de trabalho e limitações ao uso da zona costeira estadual. O primeiro diploma legal, datado do século passado, instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e a Política Ambiental de Santa Catarina, deflagrando o planejamento e a definição da gestão da Zona Costeira do Estado. O segundo dispositivo, veio legitimar o processo de gestão estadual, cuja essência está definida no seu art 2º: “orientar a utilização racional dos recursos da Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população e a proteção de seu patrimônio natural histórico, étnico e cultural”.
De acordo com o referido decreto, a Zona Costeira do Estado de Santa Catarina é o espaço geográfico constituído pelo conjunto territorial de 36 municípios, que confrontam com o mar ou com as grandes lagoas costeiras. Este território subdividi-se em cinco setores, com características bem definidas: I - Setor 1 - Litoral Norte: Araquari, Balneário Barra do Sul, Garuva, Itapoá, Joinville, São Francisco do Sul e Barra Velha;II - Setor 2 - Litoral Centro-Norte: Balneário Camboriú, Bombinhas, Camboriú, Itajaí, Itapema, Navegantes, Piçarras, Penha e Porto Belo;III - Setor 3 - Litoral Central: Biguaçu, Florianópolis, Governador Celso Ramos, Palhoça, São José e Tijucas; IV - Setor 4 - Litoral Centro-Sul: Garopaba, Imaruí, Imbituba, Jaguaruna, Laguna e Paulo Lopes; V - Setor 5 - Litoral Sul: Araranguá, Balneário Arroio do Silva, Balneário Gaivota, Içara, Passo de Torres, Santa Rosa do Sul, São João do Sul e Sombrio.
O Litoral Norte do Estado de Santa Catarina é caracterizado pela presença de uma grande baía, a Baía da Babitonga ou de São Francisco. Este trecho acolhe o pólo industrial do Estado, situado nos Municípios de Jaraguá do Sul e Joinvile com o Porto de São Francisco do Sul interligado à Rede Ferroviária Federal, atividades que sobrecarregam o meio ambiente, rico em manguezais, com detritos.
O litoral centro-norte contém a maior bacia hidrográfica da vertente atlântica, composta pelo Rio Itajaí, que nasce na Serra Geral e vem desaguar no Atlântico. Este Setor Costeiro tem os municípios com maiores índices de densidade demográfica do Estado segundo o IBGE (2006), como, por exemplo, Itajaí e Balneário Camboriu, com consolidada atividade industrial e turística, além dos portos de Itajaí e de Navegantes. Da preocupação com a integridade do Setor Centro-Norte é que se materializou o Plano de Gestão, bem antes da Lei que criou o Plano de Gerenciamento Costeiro Estadual. Consta das publicações do Governo do Estado a realização de levantamentos, junto às prefeituras localizadas no Litoral Centro-Norte para diagnosticar os principais problemas deste trecho do litoral catarinense.
É na região central catarinense que se localiza a maior ilha do Estado, chamada de Ilha de Santa Catarina, integrante da Capital, que é Florianópolis, local alvo de especulação imobiliária, que não comumente desrespeita dunas, mangues e restingas.
No Litoral Centro Sul situa-se o maior complexo lagunar do Estado de Santa Catarina. O Farol de Santa Marta, no município de Laguna, é marco geográfico delimitador da linha de costa no litoral catarinense e, também, o limite austral de espécies de mangue no litoral brasileiro.
Na zona costeira do setor sul catarinense, a paisagem é formada por uma grande planície cortada por rios, com presença de lagoas costeiras paralelas à linha de costa. Mas a preocupação catarinense com este quadrante se refere, em especial, aos poluentes rejeitos do carvão que comprometem o complexo hidrográfico, auxiliados pela orizicultura e pelos despejos de esgotos domésticos.
Com este rápido desenho do perfil catarinense, reforça-se a importância estratégica da zona costeira no Estado de Santa Catarina, suas peculiaridades e a imprescindibilidade do imediato desenvolvimento de programas de Gerenciamento em conformidade com a aptidão natural de cada região, sob os pontos de vista social, econômico, histórico, cultural e ecológico, tirando do campo das idéias os seguintes instrumentos de gestão: o Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro (ZEEC); o Plano de Gestão da Zona Costeira (PGZC); o Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro (SIGERCO); o Sistema de Monitoramento Ambiental (SMA/ZC); Relatório de Qualidade Ambiental (RQA/ZC); Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima (Projeto Orla).
O Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro é o balizador do processo de ordenamento territorial, necessário para chegar ao desenvolvimento sustentável da zona costeira, Trata-se do imperioso e urgente primeiro passo rumo ao preconizado “gerenciamento”, pois dele decorre o Plano de Gestão, conjunto de projetos setoriais integrados e compatibilizados com as diretrizes estabelecidas no zoneamento ecológico-econômico.
O Sistema de Informações de Gerenciamento Costeiro de Santa Catarina (SIGERCO/SC), nos termos do art. 14 do Dec. 5.010/06, deve para apoiar as atividades no que concerne ao tratamento digital de imagens de satélites, geoprocessamento e banco de dados georeferenciados •, sistematizando dados, tranformando-os em informações para alimentar o Sistema de Monitoramento Ambiental da Zona Costeira que, num futuro indefinido ainda, abrangerá as formas de monitoramento já executadas por instituições públicas estaduais. Também lhe competirá (olha o futuro aí) a criação de programas específicos contínuos de coleta e acompanhamento de parâmetros devendo estruturar-se conforme as seguintes linhas de atuação: I) Qualidade de água; II) Uso do Solo e do Mar; III) Linha de Costa – acompanhamento de forma a permitir avaliação eventos de alta energia, como ciclones extratropicais (bastante comuns no Estado), furacões, intensificação do anticiclones e ressacas. IV) Monitoramento Específico de Atividades em ações pontuais e localizadas demandadas de ações judiciais, termos de ajuste de conduta, projetos e programas que possuam interface direta com os objetivos do Gerenciamento Costeiro, a serem definidas no Plano de Gestão da Zona Costeira.
O Relatório de Qualidade Ambiental, quando colocado em prática, terá periodicidade anual (art 18 do decreto em comento) e sua principal função será avaliar a eficiência das medidas e ações desenvolvidas em prol da zona costeira tanto da Faixa Marítima , quanto da Faixa Terrestre ( esta formada pelos municípios que sofrem influência dos fenômenos ocorrentes na Zona Costeira, isto é, os defrontantes com o mar; os não defrontantes com o mar que se localizam nas regiões metropolitanas litorâneas; os contíguos às grandes cidades e às capitais estaduais litorâneas, que apresentem processo de conurbação; os próximos ao litoral, até 50 km da linha de costa, que aloquem, em seu território, atividades ou infra-estruturas de grande impacto ambiental sobre a Zona Costeira, ou ecossistemas costeiros de alta relevância; os estuarinos-lagunares, mesmo que não diretamente defrontantes com o mar, dada à relevância destes ambientes para a dinâmica marítimo-litorânea; e os que, mesmo não defrontantes com o mar, tenham todos os limites estabelecidos com os municípios já referidos. e deverá (ainda no futuro, lamentavelmente ) gerar subsídios para a adequação ao Plano de Gestão da Zona Costeira, fechando um ciclo gerencial, ou de mangement.
Neste contexto, há ainda o Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, ferramenta do planejamento estratégico, que visa à descentralização, repassando atribuições da Gestão de espaços, atualmente alocados no governo federal para a esfera municipal, primordialmente para racionalizar a ocupação da orla, definida como a “ a faixa contida na zona costeira, de largura variável, compreendendo uma porção marítima e outra terrestre, caracterizada pela interface entre a terra e o mar”.

Santa e bela Catarina, o gerenciamento costeiro na prática

Vinte anos após o primeiro passo desta jornada de preservação, em relação aos instrumentos de execução, constata-se que Santa Catarina tem parte de sua zona costeira detalhada no Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro (ZEEC), mas somente a região norte e centro-norte o tem finalizado. A região centro-sul desenvolve estudos para o zoneamento da atividade de carcinicultura, no entanto, todos os ZEEC carecem de marco legal que os torne efetivos. E a ausência destas ações se faz sentir já. Como resultado desta inércia, Santa Catarina que já foi o pioneiro na atividade de cultivo de camarões, com a realização de pesquisas no início da década de 70, servindo de exemplo para estados do Nordeste, entrou em declínio. Tudo ia bem até 2005, quando a produção catarinense sofreu uma queda acentuada tendo como principal causador o surgimento da enfermidade denominada Mancha Branca (vírus WSSV), a mesma que causou prejuízos semelhantes em outros paises produtores ao redor do mundo. Apesar do vários esforços realizados para combater e controlar a enfermidade, não existem, em curto prazo, perspectivas para retorno da produção aos patamares anteriores. Perde a Santa e Bela Catarina, ainda dominante no que se refere a ostras e mariscos. Mas sem o suporte de ações específicas, resta a pergunta: Por quanto tempo?
O sistema de monitoramento costeiro em Santa Catarina é pouco desenvolvido o que é lastimável, devido à importância estratégica desta área para o Estado e às peculiaridades regionais, o que implica na imprescindibilidade do desenvolvimento de programas de Gerenciamento de acordo com a aptidão natural de cada local, sob o ponto de vista social, econômico, histórico, cultural e ecológico. Entretanto , os parâmetros a serem monitorados não estão definidos e nem há pessoal ou infraestrutura adequada para sua realização, o que prejudica (para não dizer que impede) a elaboração dos relatórios nacionais de qualidade ambiental. Para divulgar e estimular as cidades a pensar e a implantar tais instrumentos de gestão e de mudanças, a Assembléia Legislativa criou, no ano passado, um Fórum Permanente de Gerenciamento Costeiro. Na pauta, promover audiências públicas para debater o tema. Pode até ser uma boa idéia, mas no momento há necessidade premente de ação. A primeira lei tem mais de duas décadas. É do século passado. Na teoria, os instrumentos de gerenciamento são bons. Se a real intenção é preservar o litoral do Estado, cujos atrativos estão no slogan institucional, antigo, mas por enquanto ainda verdadeiro, tudo depende de urgentes ações de gestão ambiental para que o mote se eternize: Santa e bela Catarina.

REFERÊNCIAS:
SANTA CATARINA. Decreto Estadual n. 5.010, de 22 de dezembro de 2006. Regulamenta a Lei n. 13.553, de 16 de novembro de 2005, que institui o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro e estabelece outras providências. Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2007c.


SILVEIRA et al. Desempenho da pesca e da aqüicultura. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2008.

2008 – O ANO DAS DENTADURAS*


* Artigo publicado em 08 de fevereiro de 2008

Por Wilson Tavares Bastos





Fabricantes e vendedores de dentaduras, comemorem! 2008 finalmente chegou (afinal, o carnaval já acabou) e, com ele, a previsão no aumento nas vendas. Isso porque 2008 é ano de pleito eleitoral. E ano em que o eleitor vai às urnas escolher seus prefeitos e vereadores. Serão centenas de milhares de candidatos concorrendo ao cargo de prefeitos em 5.561 municípios no país, além de dezenas de milhares de cargos de vereadores. Para se tornarem administradores e legisladores, muitas são as táticas usadas pelos candidatos: alguns fazem encartes com propostas de governos; outros apenas apelam para os santinhos – que mais emporcalham as vias públicas do que esclarecem os candidatos; outros ainda fazem o bê-á-bá para votação. Outros, no entanto preferem a via oblíqua de dar alguns “agrados” aos seus eleitores em potencial. É a compra de votos, também conhecida como “captação de sufrágio”.

São os candidatos ao cargo de prefeitos, vices-prefeitos e vereadores (principalmente nos rincões do Brasil) que mais se utilizam desse artifício. Alguns deles usam a técnica tradicional de oferecer pequenas quantias, cestas básicas ou dentaduras; outros, possuem modos velados e mais sofisticados de comprar a vontade do eleitor, como a concessão de bolsa família, auxílio cidadão etc. Mas alguns eleitores não ficam atrás na mercancia eleitoral. Não são poucas as vezes que eleitores, oportunistas e cientes do poder de barganha de seu voto buscam candidatos a vereadores oferecendo seus votos a troco de sacos de cimento, milheiros de tijolos e outros tantos objetos.

Assim, trata-se de uma via de mão dupla em corruptor e corrompido fazem parte de um mesmo jogo. Sentam-se à mesa para que cada um se deleite em seu pequeno banquete particular: o Candidato com a expectativa de mais um voto em seu favor e, assim, com o sonho de se tornar prefeito ou vereador por quatro anos; o eleitor corrompido com o seu pequeno presente, tem a sua alma vendida, e se tornará um cão fiel durante os próximos quatro anos. Afinal, trocou sua cidadania por uma dentadura! Ora, o que esperar de um administrador ou legislador que faz do pleito eleitoral um mercado persa? E o que esperar de uma sociedade que vende sua soberania popular por um prato de lentilhas?




Artigo 299 do Código Eleitoral;

“Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena: reclusão de até 4 (quarto) anos e pagamento de 5 (cinco) a 15 (quinze) dias-multa.”



Captação de sufrágio

Art41-A Lei 9.504/97

Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990.



De acordo com os dispositivos legais acima citados, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já cassou o mandato de 215 políticos pela prática de captação de sufrágio. Dentre estes, os que mais se deram mal foram os prefeitos – 101 deles perderam o cargo. Depois, aparecem vice-prefeitos (53) e vereadores (51).


Trocar voto por dentadura, auxílio cidadão, bolsa família, rifas, empregos, nada disso pode ser considerado aceitável por uma sociedade que se julga civilizada e séria. Ainda que em determinadas regiões do País a compra de votos seja fato corriqueiro e comum não torna essa prática “aceitável”. O contrabando, o tráfico de drogas, os meninos no sinal, a corrupção na polícia, tudo isso existe e é, às vezes tolerado pelo Poder Público, mas também não pode ser considerado algo “aceitável”

Tais práticas devem ser combatidas e seus praticantes (tanto os candidatos quanto os eleitores que, sem pudor, vendem seu direito ao voto àqueles) punidos.

Santa Catarina: um caleidoscópio climático


Por Rosângela Tremel, advogada, jornalista, administradora de empresas, professora de Direito Público em grau de Mestre para graduação e pós graduação , Especialista em Advocacia e Dogmática Jurídica em ,Marketing e em Ciências Sociais, co-autora do livro Lei de Responsabilidade Fiscal, publicado pela Editora Atlas, colaboradora de periódicos nacionais especializados


O clima entrou em colapso. Com estas palavras, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, resumiu os 15 finais de semana consecutivos em que o catarinense do litoral ficou olhando a chuva bater em sua vidraça, deslizar para o solo e desaguar em cenário de enxurradas, desmoronamentos e soterramentos que comoveram o país no último mês de novembro.

Chuvas intensas integram o cotidiano do sul do país. Santa e bela Catarina já se recompôs algumas vezes de tragédias de monta, mas os 200 mm que causaram a enchente de 84 no Vale do Itajaí, uma das maiores de todos os tempos, se transformaram em 500 mm em apenas dois dias, durante novembro de 2008. Toda esta água, num solo já encharcado, fizeram com que a terra se “desmanchasse como sorvete”, para utilizar metáfora criada pelo governador do Estado ao presenciar cenas como :encostas caindo em pólos industriais da magnitude de Blumenau ,Brusque e Joinville; a comunidade de Morro do Baú,em Ilhota, praticamente desaparecendo do mapa; rio mudando o curso e abandonando seu leito natural ; o porto de Itajaí, um dos maiores corredores comerciais marítimos do sul, parando totalmente suas atividades; estradas asfaltadas cedendo; gasoduto explodindo; o elegante e turístico norte da ilha, na capital , onde ficam Jurerê Internacional , Costão do Santinho e Canasvieiras, ficando isolado pela queda de uma barreira de 17 mil toneladas de rocha e 20 mil toneladas de terra,que soterraram um caminhão , e transformaram o trânsito em uma aventura por caminhos alternativos que, face à precariedade, acabaram por ceder também. São apenas algumas das imagens fortes que compõem o cenário.

Lentamente, o povo barriga verde vai conjugando o verbo recomeçar . Neste contexto, felizes os que ainda têm para onde voltar, porque muitos não poderão fazê-lo: não há mais o terreno ou, em outros casos, há, mas sob o signo da insegurança, pois fendas se abrem no solo encharcado e geram diagnósticos lúgubres por parte dos peritos em geologia. A Defesa Civil retirou potenciais vítimas de locais ameaçados com base em determinação judicial e sob escolta, diante da insistência em lá permanecer

Se o cartesianismo da ciência não impedisse a interpretação de sinais do cotidiano como indicadores futuros,poder-se-ia dizer que o término das audiências públicas para discussão do teor do Código Ambiental gerou revolta no elemento terra. A enxurrada de descaso com o meio ambiente por inteiro desaguou em deslizamentos e desmoronamentos enquanto, por exemplo, a discussão sobre a sobre a mata ciliar, esta cobertura vegetal que se encontra nas margens dos cursos de água , que evita enchentes e erosão,que funciona como corredor úmido entre áreas agrícolas, permanece gerando ações civis públicas sob a titularidade do Ministério Público Catarinense, cujos resultados se distribuem em 3 diferentes entendimentos por parte do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:a 1ª Câmara de Direito Público adota o art 2º do Código Florestal como limite ao plano diretor e lei do uso solo para definição dos limites de proteção das matas ciliares em áreas de preservação permanente, ainda que urbanas (Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Apelação Cível em Mandado de Segurança n.2006.037714-3). A 2ª Câmara elastece as decisões, adotando plenamente o princípio da proporcionalidade ao estabelecer correlação entre largura do curso d’água e extensão da área a ser preservada, transpondo integralmente as regras florestais para o contexto urbano (Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Apelação Cível em Mandado de Segurança 2006.014702) e a 3ª Câmara de Direito Público adota o entendimento dos 15 metros com base na Lei de Parcelamento do Solo (Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Apelação Cível em Mandado de Segurança n.204.01989-1). Nesta babel judiciária, o recém discutido Código Ambiental , ainda sem data para vigorar, filia-se à corrente de proteção mínima, alegando que assim o exige o panorama minifundiário dos produtores catarinenses. Esquecem, certamente, que o aparato legal exige meio ambiente para vigir e que se nada sobrar, será como para tantas vítimas da enchente: o terreno se foi, resta o nada.

No perfil legal também se inclui a questão do gerenciamento costeiro , programa deflagrado há 20 anos, em 1987, incluindo Santa Catarina no projeto piloto que privilegiava 6 estados. Levantamentos situacionais e diagnóstico de peculiaridades nas regiões norte e centro norte catarinense( as mais ferozmente atingidas pela tragédia de novembro) estão finalizados e materializados no Zoneamento Costeiro, mas aguardam efetivação a partir de detalhes como parâmetros a serem monitorados, infraestrutura operacional e alocação de pessoal.

O governo do Estado, agora, isenta de IPI as empresas que colaboraram com doações aos desabrigados e desalojados; comemora a construção das seis primeiras casas para abrigar famílias que perderam tudo; anuncia a reabertura do Porto de Itajaí com possibilidade de receber apenas embarcações de baixo calado; reabre estradas que teimam em desmoronar; desvia o trânsito ao menor sinal de trovoada; encerra mais cedo o semestre letivo, ensina a combater a leptospirose . Age a reboque, enquanto a sociedade catarinense observa, com olhos úmidos de lágrimas, o gesto do empresário cuja fábrica de conservas foi levada pela fúria da natureza: desabrigado, dividindo o mesmo abrigo com seus ex-funcionários, de posse de uma lista manuscrita e de cheques preenchidos manualmente, quita seu último compromisso com a equipe e paga o 13º salário, para o qual fez previsão orçamentária durante o ano.No momento, o futuro é uma incógnita para ele e para outros tantos. Não deveria ser. O aparato legal permite planejamento e não apenas de cunho financeiro. Há dispositivos como o do tamanho da mata ciliar, ou como o estudo de impacto de vizinhança, ou como o da licença ambiental. Há o Estatuto da Cidade, há a obrigatoriedade de Plano Diretor para municípios com mais de 20 mil habitantes, sem o qual nem recursos do BNDS são obtidos. Isso para citar apenas alguns poucos . Mas há que haver olhos para enxergar, para fazer cumprir os diplomas legais e para ver além do momento presente, nos termos do artigo 225 da Constituição Federal , visando as futuras gerações , cuja tragédia de novembro de 2008 demonstra não serem uma dinastia distante. No momento presente sobraram olhos que não viram, numa sociedade que se omitiu para opinar (ou o fez sem veemência) e cujo poder público fiscalizou precariamente.

Estado de vocação turística, tenta se reerguer. Uma rede de emissora de tv local criou o slogan : Brilha Santa Catarina . As luzes vão se acendendo numa tarefa que deve levar muito tempo, tempo a ser medido em anos.

As praias continuam lindas, o povo segue aguerrido, indústria e comércio adotam estratégias para se recuperar, tudo agasalhado pelo manto da solidariedade nacional, mas que se escreva em letras garrafais embora incluindo um toque de poesia para respeitar a dor dos atingidos pela tragédia , parodiando Fernando Pessoa,: “planejar é preciso”.

Ah, um último detalhe: neste momento há mais uma calamidade pública em Santa Catarina, desta vez no oeste e sob forma de estiagem .

A INCONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DE PRAZO MÍNIMO PARA AJUIZAR PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL


Por Rosângela Tremel, advogada, jornalista, professora de Direito em grau de Mestre para graduação e pós graduação,Especialista em Advocacia e Dogmática Jurídica, co-autora do livro Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada ( Editora Atlas),
E Wilson Tavares Bastos, advogado, especializando em direito privado, ambos colaboradores de periódicos nacionais especializados


1 - Considerações Iniciais
Em uma sociedade capitalista, as empresas estão sempre sujeitas às crises econômicas e financeiras, quer seja em virtude da adoção de planos econômicos e políticas públicas por parte do Estado,- que nem sempre são eficazes-, quer seja por outros fatores,- como má administração, queda na procura do produto ou serviço, guerra, epidemia animal(para citar apenas alguns)-, o que acarreta a necessidade da adoção de condutas liqüidatórias eficientes para guarnecer os interesses dos credores em virtude da quebra da empresa.
O Decreto-Lei nº 7.661/41 que regia os institutos da falência e da concordata no direito brasileiro, não mais cumpria a sua função social, pois se encontrava defasado e inadequado às necessidades de manutenção de vida da empresa (quando era pedida a concordata), ou mesmo na sua rápida liquidação a fim de satisfazer os credores, tornando-se, ao mesmo tempo, nociva a este, ao devedor, e ao Estado, prestador da tutela jurisdicional a quem caberia, por muito tempo, movimentar um processo excessivamente burocrático de falência e concordata que dificilmente chegava a um fim satisfatório.
Destas premissas, derivou-se a imperiosa necessidade de alterar o direito falimentar brasileiro, o que ocorreu quando da publicação da Lei nº 11.101, em 09 de fevereiro de 2005, que passou a regulamentar os procedimentos da falência e da recuperação de empresas no país. Esta Lei trouxe alguns requisitos a serem preenchidos pelas empresas a fim de se recuperarem. Dentre estes, encontra-se o da necessidade de estar em atividade pelo lapso temporal mínimo de 02 anos, expresso na parte final do artigo 48, que, a nosso ver, é inconstitucional, conforme será devidamente demonstrado a seguir.

2 - O Conceito de Empresa e a sua inserção constitucional na ordem econômica:

Pode-se definir empresa usando apenas o senso comum , como a associação para explorar uma atividade, um negócio, mas tal simplificação mistura conceito com objetivos, que são a produção e o oferecimento de bens ou serviços a fim de atender alguma necessidade humana. Mas esta definição não é suficiente.É importante buscar uma que prime pelo aspecto jurídico-doutrinário. Fabio Ulhoa Coelho conceitua empresa como sendo atividade, cuja marca essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados mediante a organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia)”1 Já Carvalho de Mendonça diz: “Empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade”2
O empresário, por sua vez, é definido pelo artigo 966 do Código Civil: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços” Assim, empresário é aquele que assume em seu próprio nome os riscos de seu empreendimento, ou para usar as palavras de Rubens Requião, é “um produtor impelido pela persecução do lucro, mas consciente de que constitui uma peça importante no mecanismo de produção da sociedade moderna”3
Neste contexto, importante estabelecer acordo semântico para as palavras- chave que regem o tema abordado, todas derivadas dos conceitos postos de empresa e empresário :profissionalismo, atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços. Assim, serão considerados profissionais apenas os que exerçam a atividade com habitualidade , e que esta esteja revestida pela finalidade de produção ou circulação de bens ou serviços, com fito econômico, no sentido de que busca gerar lucro para quem a explora. Note-se que o lucro pode ser o objetivo da produção ou circulação de bens/ serviços, ou apenas o instrumento para alcançar outras finalidades. Referida atividade deve ser organizada pelo empresário, a quem cabe articular os quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia. Não é considerado empresário quem explora atividade de produção ou circulação de bens ou serviços sem lidar com todos esses fatores para produção de itens tangíveis, ou de serviços, produtos intangíveis. A atividade de fazer circular bens é a do comércio em sua manifestação originária: ir buscar o bem no produtor para trazê-lo ao consumidor. É a atividade de intermediação na cadeia de escoamento de mercadorias. O conceito de empresário compreende tanto o atacadista como o varejista, tanto o comerciante de insumos como o de mercadorias prontas para o consumo.
Na qualidade de produtora ou circuladora de serviços, a empresa tem grande relevância na ordem econômica constitucional, fundada na valorização do trabalho e da livre iniciativa, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos,- salvo nos casos expressamente previstos em lei - e tem por fim assegurar- lhes existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios previstos no artigo 170 da Constituição Federal , que prescreve:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;II - propriedade privada;III - função social da propriedade;IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Diante do dispositivo constitucional acima transcrito, nota-se que o trabalho não é fim em si mesmo, mas instrumento apto e essencial para o desenvolvimento do Estado, verdadeira força motriz e instrumento de dignificação humana . Entretanto, não é todo trabalho que proporciona tais virtudes, mas somente aqueles que respeitam os citados princípios enumerados nos incisos do artigo 170 da Constituição da República. O referido artigo indica a dimensão da importância da empresa para o Estado, seja na qualidade de provedora de empregos, seja como fonte de receitas tributárias para o próprio ente estatal. Por isso, a proteção à empresa (ainda que indireta às empresas de grande porte), inclusa no âmbito da ordem econômica foi positivada pela Constituição da República ao estabelecer princípios a serem respeitados pelo Estado e pelo próprio empreendedor. Sua criação e manutenção plenas são de tal forma estimuladas pelo Poder Público, que o constituinte incluiu no art 1º da Carta Magna, inciso IV, na qualidade de fundamento da República: os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

3 - Lei n.11.101/2005 e Recuperação de Empresas
A Lei n.11.101/05 (LRE) trouxe significativas mudanças no direito falimentar brasileiro, seja alterando o processo de falência, facilitando a execução concursal, pondo fim ao inquérito judicial; seja extinguindo o instituto da concordata, substituído pela recuperação de empresas.
Sob o enfoque da Lei de Recuperação de Empresas, o conceito de recuperar é assim exposto por Waldo Fazzio Junior: significa readquirir, reconquistar, reaver, recobrar. A palavra traz o sentido de restauração. A LRE optou pela denominação recuperação empresarial, precisamente para designar o restabelecimento da normalidade da atividade economia. Poderia ter escolhido reorganização, ou, até mesmo, reestruturação. Ficou mesmo com recuperação, portanto, elegendo conotação de procedimento destinado a restaurar a saúde econômica da empresa.4
Os principais objetivos da recuperação judicial de empresas são, de um lado a maximização das possibilidades dos credores e, de outro, conservar os empregos que oferece e continuar produtiva no mercado.
A ação possui natureza cognitiva, pela qual há a pluralidade de partes: de um lado o devedor e de outro o credor mais os empregados daquele. Sua finalidade é a concretização da função social da empresa.
Na ação de recuperação judicial, o objeto mediato é a salvação da atividade empresarial em risco e o objeto imediato é a satisfação, ainda que impontual, dos credores, dos empregados, do Poder Público e, também, dos consumidores. E, nas palavras de Waldo Fazzio Junior, visa “a instituição de um regime jurídico especial para o encaminhamento de soluções para referida crise, seus desdobramentos e repercussões”5
A ação de recuperação judicial dirige-se a empresas viáveis, não contemplando modalidade de recuperação suspensiva da falência.

4 - Requisitos para a concessão de recuperação judicial
Conforme se depreende pelo artigo 48 da Lei n.11.101/2005, são quatro os requisitos cumulativos para que a empresa obtenha a recuperação judicial de empresas além do exercício regular de atividades pelo prazo mínimo de 02 anos: não ter falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; não ter, há menos de 5 anos, obtido concessão de recuperação judicial; não ter, há mais de 8 anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata os artigos 70 e 716 da Lei de recuperação de empresas; e não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes definidos na Lei n. 11.101/2005.
É objeto de análise neste artigo o requisito mínimo de 02 anos para requerer recuperação judicial em virtude de flagrante inconstitucionalidade.
Cumpre lembrar que as empresas que pretenderem obter a concessão da recuperação extrajudicial também terão de estar exercendo atividade regular há mais de dois anos, ex vi do artigo 161: O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial. Diz o referido art. 48 do citado diploma legal, in verbis:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.
5 - A inconstitucionalidade do prazo de 02 anos e o princípio da isonomia
O caput do artigo 48 da Lei n.11.101/2005 impõe como condição para requerer a recuperação judicial o exercício regular de atividades por mais de dois anos. Tal dispositivo tem como pressuposto a consolidação da empresa. Lecionando sobre o dispositivo legal acima transcrito, Fábio Ulhoa Coelho expõe como motivação de tal medida que o devedor “não teria tempo suficiente para configurar-se a contribuição daquela atividade como significativa a ponto de merecer o sacrifício derivado de qualquer recuperação judicial”7. Esse exercício deverá ser apresentado por intermédio da certidão da Junta Comercial.
Fazzio Junior justifica a exigência do registro bienal, para que não se prodigalize o instituto da recuperação judicial, com sua concessão prematura, a empresas recém constituídas. 8 No entanto, tais justificativas não afastam a inconstitucionalidade de tal exigência, uma vez que afrontam o princípio da isonomia, positivado no caput do artigo 5º da Constituição da República9.
A igualdade se constitui no tratamento isonômico nos casos determinados, ou seja, a sujeição aos mesmos direitos e deveres; também se reveste no tratamento desigual dos casos desiguais. Carmem Lúcia Antunes Rocha traz definição precisa para o princípio da igualdade:"o que se pretende, então, é que a igualdade perante a lei signifique igualdade por meio da lei, vale dizer, que seja a lei o instrumento criador das igualdades possíveis e necessárias ao florescimento das relações justas e equilibradas entre as pessoas. Há se desbastarem, pois, as desigualdades encontradas na sociedade por desvirtuamento sócio-econômico, o que impõe, por vezes, a desigualação de iguais sob o enfoque tradicional"10.Tal princípio é, nas palavras de Celso Ribeiro Bastos, “dos mais importantes da Constituição: ele incide no exercício de todos os demais direitos”11.
Para que haja a aplicação de desigualdade é necessário, conforme aduz Alexandre de Moraes, “a existência de uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação de proporcionalidade entre os meios empregados e finalidades perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos” 12
No caso em comento, inexiste justificativa plausível para impor a necessidade de atividade mínima de 2 anos para pedir as recuperações judicial e extrajudicial.
Ora, a única diferenciação feita pela Constituição da República no que atine aos tratamentos às empresas está determinada pelo artigo 170, IX da Constituição, ao impor tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Afora tal hipótese, afasta-se qualquer outro tratamento diferenciado, pois que abusivos.
O argumento de consolidação da empresa não resiste a uma fundamentação detalhada. Uma empresa consolidada pode trazer menos benefícios à sociedade do que uma empresa cujo funcionamento alcança grande monta financeira; possuir evoluídos padrões de consumo, circulação, desenvolvimento e organização, além de empregar considerável número de pessoas, vindo, talvez, a ser o principal gerador de empregos de uma cidade ou uma região, além de contribuir para manter uma balança comercial favorável em virtude das exportações.Pode ser constituída com um vultoso capital social e, mesmo assim, vir também a ser atingida pela alea econômica.
Grande é, portanto, a possibilidade de uma empresa com tempo de atividade inferior a 2 anos causar impacto maior à sociedade do que a empresa que tenha preenchido esse requisito.
Há que se considerar ser ,em alguns casos, preferível promover a recuperação de uma empresa que realmente contribua para com o desenvolvimento regional do que conceder a recuperação judicial à empresa que esteja em atividade há mais de 02 anos. E é, justamente à preservação desse tipo de empresa que alude Fábio Ulhoa Coelho ao comentar o tema sob a égide do então Novo código Civil, em seu Manual de Direito Comercial: “a tendência atual do direito comercial no que diz respeito às questões envolvendo os sócios, é a de procurar preservar a empresa. Em razão dos múltiplos interesses que gravitam em torno da produção e circulação de riquezas e comodidades, reservadas à empresa pela ordem constituída, inclusive a constitucional, a sua existência e desenvolvimento deixa de ser assunto da exclusiva alçada de seus sócios”. É ele quem conclui:”Este princípio, o da preservação da empresa, não pode ser ignorado, nos dias correntes, no estudo de qualquer questão de direito societário. Mas ainda no que diz respeito à dissolução”. 13
O argumento de “prodigalização” do instituto da recuperação judicial (que se confunde com a “consolidação” acima exposta) também não prospera. Não há como se conceber, sob a presunção da boa-fé, que alguém vá criar uma empresa com o objetivo de fraudar credores, ser inadimplente e pedir a recuperação. Várias são as causas que ensejam a necessidade de obter a recuperação, algumas são previsíveis, mas a iminência em seus acontecimentos pode tornar muito difícil, quiçá impossível tomar precauções para que a empresa se livre a adversidade.
Ademais, os requisitos inseridos nos incisos do artigo 48 de não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial (...)e de não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei, são suficientes para afastar qualquer tentativa nesse sentido, seja por parte da empresa, seja pelo sócio ou administrador.
Desta forma, não havendo justificativa plausível e em conformidade com os ditames constitucionais, não poderia o legislador infraconstitucional impor a necessidade de atividade de mais de 2 anos para a concessão da recuperação de empresa, uma vez que constitui afronta ao princípio da isonomia, positivado no artigo 5º caput da Constituição da República.

6 - Considerações Finais

Grande é a importância da empresa para que sejam alcançados os anseios da República Federativa do Brasil no que tange aos fundamentos da livre iniciativa, da dignidade da pessoa humana , dos valores sociais do trabalho , uma vez que se trata da principal geradora de riquezas, seja empregando a população, seja na contribuição para manter uma balança comercial favorável.
Foi justamente no intuito de manter essas empresas, no momento em que se encontrarem em crise financeira e desde que atendidos os pressupostos de sua viabilidade de se reordenar que surgiu, sob a disciplina da Lei n.11.101/2005 o instituto da recuperação de empresas, com a finalidade de impedir que determinada categoria de créditos monopolize os recursos do devedor, em detrimento de outras; de manter a maximização das possibilidades dos credores e de conservar os empregos que oferece, além de continuar produtiva no mercado.
Do exposto parece resultar a absoluta falta de necessidade de aguardar o prazo de 2 anos para pedir a recuperação de empresas, uma vez que tal requisito presente no caput do artigo 48 da nova lei de falências colide com o princípio da isonomia, numa flagrante inconstitucionalidade, reforçada ainda na destinação de tratamento especial pela Lei Fundamental às microempresas. Afinal, as crises econômicas e financeiras não escolhem tempo para acontecer.



Referências

1 - COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 2. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, págs. 01-02
2 - MENDONÇA. J.X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, atualizado por Ricardo Negrão. V.1. Campinas, Bookseller, 2000p.63
3 – REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 20. ed., São Paulo: Saraiva, 1991, v.1.p.57
4 – FAZZIO JUNIOR, Waldo. Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial. São Paulo, Atlas, 2006.p. 97
5 – FAZZIO JUNIOR, Waldo. Ob. cit.p. 129
6 – COELHO, Fábio Ulhoa. Ob. Cit. Pág.124
7 – FAZZIO JUNIOR, Waldo . Ob. Cit. pag. 157
8 – Artigo 5º CRFB “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
9 – ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990, p. 39
10 - BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. atual. - São Paulo Saraiva, 1999.
11 - Idem
12 - MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. Ed. Atlas, São Paulo, 2003, pág. 65
13 - COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito comercial, 13ª ed. São Paulo, Saraiva, 2006
14 - Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1o desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo.
§ 1o As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.
§ 2o Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial.
Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:
I – abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei;
II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano);
III – preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;
IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.
Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

Justiça gratuita na esfera trabalhista: privilégio do empregado?


Por Wilson Tavares Bastos, e Rosângela Tremel

Para que haja uma prestação jurisdicional célere e eficaz, o direito deve ser dinâmico. A meta de alcançar tal dinamismo não é diferente no âmbito da Justiça do Trabalho. Desde o advento da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como das legislações posteriores à CLT, é patente a busca incessante para conferir maior celeridade ao processo do trabalho, seja reduzindo a possibilidade da interposição de recursos, como é o caso nos dissídios de alçada, bem como nos embargos de terceiro, em que o Recurso de Revista, cuja matéria, para fins de seguimento, só poderá versar sobre violação literal a dispositivo constitucional, por força do artigo 896, alínea c, §2º ,da CLT.

A fim de limitar a interposição de recursos, o artigo 7º da Lei nº 5.584/70 impôs a necessidade de depósito recursal prévio, sob pena de deserção e, finalmente, o artigo 14 dessa Lei limitou a concessão da gratuidade de justiça apenas para o trabalhador assistido pelo sindicato, in verbis.

Art. 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador.
§ 1º. A assistência é devida, a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
§ 2º. A situação econômica do trabalhador será comprovada em atestado fornecido pela autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, mediante diligência sumária, que não poderá exceder de 48 (quarenta e oito) horas.
§ 3º. Não havendo no local a autoridade referida no parágrafo anterior, o atestado deverá ser expedido pelo Delegado de Polícia da circunscrição onde resida o empregado.
Fundamentado neste artigo,os Tribunais Regionais do Trabalho, bem como o Tribunal Superior do Trabalho, vêm relutando em conceder a gratuidade de justiça às pessoas jurídicas, aduzindo que apenas os reclamantes trabalhadores estão autorizados a serem beneficiários pelo instituto da gratuidade no Judiciário , regido pela Lei nº 1.060/50.No entanto, essa não parece, nem pode ser, a melhor alternativa, num contexto em que o inciso IV do artigo 1º da Constituição Federal prega como princípio fundamental o da livre iniciativa, materializado no estímulo à criação de micro empresas. Todo o cenário econômico brasileiro destoa do indeferimento à gratuidade de justiça às pessoas jurídicas de plano, sem uma acurada análise caso a caso. Há que se considerar exceções dentro da sistemática jurídica vigente. É o que se pretende demonstrar ao longo desse artigo.


A Gratuidade de Justiça sob a ótica da Lei nº 5.584/70


Pela simples leitura do já citado artigo 14 da Lei nº. 5.584/70, juntamente com os seus parágrafos, chega-se à ilação de que a assistência judiciária não ficou restrita ao Reclamante - trabalhador, mas apenas dispõe que a assistência judiciária seria prestada pelo sindicato. Trata-se de um dispositivo legal específico, porém, não taxativo, ou numerus clausus, já que tal legislação apenas se preocupa em disciplinar a assistência dos sindicatos nos dissídios entre empregados e empregadores. Não há qualquer dispositivo expresso na Lei nº 5.584/70 contendo as expressões somente, tão só, apenas, ou seja, expressões que conferissem apenas aos trabalhadores o direito à assistência judiciária.

Ora, se prevalecer raciocínio diverso, chegar-se-ia ao absurdo de apenas conceder a gratuidade de justiça àqueles trabalhadores assistidos por sindicato.

Ademais, não podem ser confundidos os institutos da Assistência Judiciária com a Justiça Gratuita, pois, embora sejam institutos semelhantes. Basta observar a doutrina nas palavras de Bolívar Viégas Peixoto, para quem “É certo que a assistência judiciária é diferente da justiça gratuita. Mesmo que algumas vezes sejam confundidas, há distinção entre as duas figuras,porque a assistência judiciária pressupõe a participação do assistente – o sindicato – que exerce os direitos do trabalhador. Portanto, neste caso, há recebimento de honorários de advogado, pela sucumbência, para fazer frente às despesas que o órgão sindical deve ter para manter um corpo jurídico destinado a dar orientação ao associado e acompanhamento das suas reclamações”


Desta forma, o artigo 14 da Lei nº 5.584/70 nem sequer deveria ser citado como sucedâneo para o indeferimento da gratuidade de Justiça, seja para aqueles que não estão litigando sob a prestação do sindicato, seja para as pessoas jurídicas. No entanto, não é esse o entendimento dos Tribunais Regionais do Trabalho, mormente o da 3ª Região, para quem o direito à concessão à gratuidade de Justiça “só alcança a pessoa física, não restando preenchido o requisito elencado n parágrafo 3º. Do artigo 790 da CLT, no que se refere à associação embargante, e muito menos aquele estabelecido no artigo 14 da Lei nº 5.584/70” . Decisões semelhantes também já foram tomadas no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, pelos votos dos Ministros Rider Nogueira de Brito e Antônio José de Barros Levenhagem

Ainda que seja admitida a impossibilidade de concessão de gratuidade de justiça, por causa do dispositivo legal em comento, tal impedimento certamente não resistirá ao cotejo com preceitos de ordem constitucional, como o artigo 5º, LXXIV da Constituição da República,que por estar inserido no capítulo de garantias e direitos fundamentais, não necessita de lei regulamentadora,vale dizer que é norma auto - aplicável.
:“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...Omissis)
LXXIV – O Estado prestará assistência jurídica gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (sem grifo no original)
O que se depreende de uma simples análise do exposto, é que a lei maior não faz distinção entre as pessoas físicas e jurídicas, apenas mencionando o único requisito para a concessão da assistência judiciária, qual seja a insuficiência de recursos.

Assim sendo e, tendo em vista o caráter de norma auto aplicável da norma constitucional em comento, não cabe à legislação infraconstitucional (ou seja, o artigo 790 – B da CLT) distinguir onde a Lei maior Republicana não faz essa distinção. Logo, o art. 14, parágrafo 1º, da Lei nº 5.584/70 não foi recepcionado pela Constituição da República, e o artigo 790 – A do texto consolidado, se igualmente interpretado de forma restritiva, se torna inconstitucional, uma vez que a distinção entre pessoa física e jurídica é vedada pelo artigo 5º, LXXIV da Lei Maior, além, é claro, de lei ordinária não poder restringir o alcance da norma constitucional.

É certo que o depósito recursal foi criado com o fito de compelir as grandes empresas a desembolsarem vultosas quantias e, assim, ver as suas razões de inconformismo reapreciadas pelo Tribunal. Porém, as condições de uma grande parcela das empresas não são as mesmas da época da edição da Lei 5.584/70. Hoje as micro e pequenas empresas tomam cada vez mais conta do mercado, também não podem ser esquecidas as fundações e associações que, sem finalidade lucrativa não possuem condições de arcar com o pagamento de elevados valores para recorrer.

A insuficiência de recursos personifica-se no alto valor das despesas processuais com recursos na esfera da Justiça do Trabalho e, por outro lado, na condição precária das micro e pequenas empresas bem como às fundações e associações sem fins lucrativos. Ora, não é razoável crer que uma pessoa jurídica com o capital social de R$2.000,00 possa arcar com o pagamento de cerca de R$5.000,00 ou quase R$10.000,00 em caso de interposição de Recurso de Revista, se prejuízo de sua existência.

Nesse sentido, e no âmbito da Justiça Comum, já se manifestou de forma reiterada o Superior Tribunal de Justiça, sobre a interpretação da Lei nº1.060/50 em conformidade com o artigo 5º, LVXXIV da lei Maior , conforme ressaltado no contexto deste artigo. Parece restar incontroverso, portanto, que, demonstrada a insuficiência de recursos, a pessoa jurídica fará jus aos benefícios da assistência, nos termos do inciso do artigo 5º da Constituição Federal que prega o princípio da igualdade.


A Gratuidade de Justiça e o artigo 5º, LVXXIV da Constituição da República

O caminho se faz ao andar . Este mote pode ser o sustentáculo da necessidade de repensar a questão da gratuidade ora proposta, bem como albergar a esperança de que a sociedade civil organizada em forma de ongs com o objetivo de suprir omissões do Estado e os micro empresários, cuja atitude empreendedora se materializa em dados como a área de maior geração de empregos no contexto nacional, sejam brindados, em futuro próximo, com jurisprudência específica versando sobre o mencionado art 14 da Lei nº 5.584/70. No momento, o que mais se assemelha em termos jurisprudenciais está exemplificado nestes dois exemplos retirados da coletânea do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO CONFIGURADA – CONCESSÃO DE EFEITOS MODIFICATIVOS – POSSIBILIDADE – JUSTIÇA GRATUITA – PESSOA JURÍDICA – POSSIBILIDADE – ENTIDADE FILANTRÓPICA – REQUISITOS PRESENTES – PEDIDO DEFERIDO – EMBARGOS ACOLHIDOS – I – Configurada a apontada omissão, acolhem-se os embargos. II – Se a correção do vício acarreta a alteração do resultado do julgamento, é possível a concessão de efeitos infringentes aos embargos de declaração. III – Na linha da jurisprudência deste Tribunal, é "possível a concessão do benefício da assistência judiciária à pessoa jurídica que demonstre a impossibilidade de arcar com as despesas do processo sem prejudicar a própria manutenção". IV – No caso, a própria natureza filantróprica da recorrente já evidencia o prejuízo que, certamente, advirá para a manutenção da atividade assistencial prestada à significativa parcela da sociedade, caso tenha que arcar com os ônus decorrentes do processo. (STJ – EDRESP 205835 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 23.06.2003 – p. 00372) (sem grifo no original)

JUSTIÇA GRATUITA - PESSOA JURÍDICA - O prejuízo do sustento próprio, a que se refere o parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 1060/50, pode dizer também com a pessoa jurídica (REsp. 122.129-RJ). Recurso conhecido e provido."( STJ - REsp. 135181 - RJ - 3ª T. - Rel. Min. Costa Leite - DJU29.03.1999 - p. 162.)




Considerações Finais.


Resta demonstrado, calcado em análise de decisões do Superior Tribunal de Justiça e com robusto amparo legal que o aludido artigo 14, bem como o artigo 790 – A da CLT ,não constituem óbices para a concessão da Gratuidade de Justiça, principalmente, diante da inexistência expressa de qualquer dispositivo que enseje a limitação da justiça gratuita às pessoas físicas. As empresas que não possuem condições de pagar as custas processuais trabalhistas, principalmente o recolhimento do depósito recursal prévio, também estão impossibilitadas de receber os benefícios da Justiça Gratuita, uma vez que, sob o entendimento jurisprudencial dominante na Justiça do Trabalho, apenas as pessoas físicas, os empregados reclamantes fazem jus à gratuidade de justiça, por força do artigo 14 da lei 5.584/70.
Um exercício básico de interpretação teleológica, calcado no artigo 5º, LXXIV da Constituição Federal , afasta qualquer distinção entre as pessoas físicas e jurídicas no que concerne à concessão da gratuidade de justiça, por se tratar de dispositivo constitucional de norma de eficácia plena.A justiça gratuita deverá ser concedida tão logo preencha o requisito de insuficiência de recursos, postura que vêm sendo tomada pelo Superior Tribunal de Justiça que tem o condão de visualizar que, na busca de um provimento jurisdicional rápido, o Legislador limita a quantidade dos meios processuais, reduz mais as possibilidades de recorrer, seja limitando as matérias a serem aduzidas em grau de recurso, seja impondo à parte sucumbente (no caso, os empregadores, já que os empregados são, geralmente, beneficiados com a gratuidade de justiça) o condicionamento da interposição do recurso ao depósito prévio de uma quantia que geralmente é vultosa e além das possibilidades financeiras de uma grande parcela das pessoas jurídicas, considerando-se neste contexto as micro empresas.

Logo, diante da flagrante violação de dispositivo constitucional, os Tribunais Regionais do Trabalho, bem como o Superior Tribunal do Trabalho, deverão rever as suas posições quanto à interpretação e aplicabilidade dos artigos 14 da Lei nº 5.584/70 e 790 – A da Consolidação das Leis do Trabalho, adequando-as conforme à Constituição, o que já vem ocorrendo no âmbito da Justiça comum no que tange à Lei nº 1.060/50. Assim, diante da mudança de posicionamento, deverá ser concedida a Gratuidade de Justiça às pessoas jurídicas que efetivamente demonstrarem insuficiência de recursos.