terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O ARTIGO 200DO CÓDIGO CIVIL COMO NORMA MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR


Por Wilson Tavares Bastos

Considerações iniciais

Inicialmente, destaca-se o Direito do Trabalho como Ciência e Justiça cujo surgimento ocorreu em virtude da necessidade de assegurar uma superioridade jurídica ao trabalhador, a fim de compensar sua inferioridade econômica. Assim, como corolário dessa definição acima, emerge o princípio da norma mais favorável ao trabalhador.

No entanto, esse princípio não vem sendo aplicado pelo Superior Tribunal do Trabalho quando o assunto é a inocorrência do curso do prazo prescricional nas hipóteses previstas no artigo 200 do Código Civil, sob o fundamento de que a indenização trabalhista cível, que não guarda qualquer dependência com a apuração criminal do fato. Ou seja, o juiz do trabalho pode dizer o direito à indenização pelo dano moral decorrente do acidente de trabalho, independente de pronunciamento do juiz criminal.[1]

Da Aplicabilidade do artigo 200 na Justiça do Trabalho

Qualquer texto ou assunto da ciência do direito deve ser interpretado dentro de um sistema que é. Assim sendo é necessária a perfeita compreensão do que é um sistema e de quais são suas características essenciais. Sob a abordagem de Renato Lacerda de Lima Gonçalves, a primeira característica de um sistema é ser um conjunto de elementos observados sob a ótica de varas características que lhe são comuns que os atrai e organiza sob uma estrutura própria.[2][3]

Geraldo Ataliba, ao comentar noções propedêuticas em torno da idéia sistema, ensina que

o caráter orgânico das realidades componentes do mundo que no cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrando em uma realidade maior. A esta composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema. Os elementos de um sistema não constituem o todo, com sua soma, como simples partes, mas desempenham cada um sua função coordenada com a função dos outros.[4]

Assim sendo, em um sistema, o operador do direito deve analisar um fato sob a perspectiva de harmonizá-la, mesmo que para isso ele deva fazer uso de normas de diferentes esferas jurídicas.

Nesses casos, o legislador pode, no bojo de uma norma, conferir aplicabilidade de normas específicas de outras esferas, como é o caso do Direito Tributário, a fim de definir expressões de direito privado, e do próprio Processo do Trabalho, que confere a aplicabilidade subsidiária do direito comum, nos termos do artigo 8º, parágrafo único da CLT.

Nos casos em que o legislador se silencia a respeito, se torna necessário um exercício de raciocínio a fim de integrar a norma, o que geralmente é feito através da analogia e da aplicação dos princípios gerais de direito.

In casu, constata-se a primeira hipótese, ou seja, o legislador foi claro em conceder a aplicabilidade subsidiária do direito comum no direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Diante da condição descrita no parágrafo único do artigo 8º da CLT, há de se fazer a seguinte indagação: a norma descrita no artigo 200 do Código Civil é compatível com os princípios fundamentais inserido na CLT?

A resposta é positiva. Para chegar a essa conclusão, necessária a transcrição do mencionado dispositivo legal:

Art.200 Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não ocorrerá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

Sob a análise de uma causa impeditiva do transcurso do prazo prescricional, constata-se que se trata de uma norma que traz consigo inegável favorecimento ao trabalhador. Isso porque, sem a fluência de tal prazo, o trabalhador – ou seus sucessores – poderão aguardar o desfecho de uma ação criminal a fim de aferir a responsabilidade do empregador – que, muito embora seja objetiva – pode refletir sobre a indenização arbitrada. Isso demonstra, portanto, que a norma em comento se adequa ao princípio da norma mais favorável.

E, por se tratar de norma mais favorável e a aplicabilidade de normas, Importante é a ponderação de Maurício Godinho Delgado, para quem:

[...]

A resposta tem de ser objetiva e segura, plenamente harmônica ao critério da especialidade que rege esta dinâmica normativa: a regra exterior somente irá se aplicar caso seja não absolutamente incompatível com a estrutura normativa do Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, quer dizer, compatível com princípios, regras e institutos destes ramos jurídicos especiais do Direito. Se a regra externa importada vier reforçar o princípio constitucional da efetividade da jurisdição ( art.5º, LXXVIII, CR/88), os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (com a dimensão sócio-laborativa deste princípio), da valorização do trabalho e do emprego, da subordinação da propriedade à sua função sócio-ambiental, a par dos princípios trabalhistas cardeais, como, ilustrativamente, da proteção e da norma mais favorável (a propósito, estes dois também com assento constitucional), ajustando-se, desse modo, a regra externa à matriz especializada do Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, às suas funções normativas basilares e teleológicas, pode e deve a regra externa prevalecer no plano especializado destes ramos jurídicos. [5] (destaque nosso)

Assim, diante da inegável adequação do artigo 200 do Código Civil ao artigo 8º, parágrafo único da CLT por se tratar de norma que norma mais favorável, deve ser acolhida a sua aplicação no âmbito trabalhista.

Ademais, tal prazo visa proteger até mesmo o empregador, uma vez que lhe possibilita, caso confirmada a culpa grave ou dolo de empregador, a possibilidade de intentar ação de regresso contra o empregado.

Do artigo 200 do Código Civil

Ao promover a análise da fundamentação da decisão do Tribunal Superior do Trabalho, conclui-se que a indenização trabalhista cível, que não guarda qualquer dependência com a apuração criminal do fato. Ou seja, o juiz do trabalho pode dizer o direito à indenização pelo dano moral decorrente do acidente de trabalho, independente de pronunciamento do juiz criminal[6]

Discordamos data maxima venia das premissas utilizadas por aquele Sodalício, pois trata-se de um sofisma, que deve ser afastado.

É bom que se esclareça: da mesma forma que o juiz do trabalho pode dizer o direito à indenização pelo dano moral decorrente do acidente de trabalho, independente de pronunciamento do juiz criminal, o juiz da esfera cível também o pode e, ainda assim, a norma do artigo 200 do Código Civil não perde sua aplicabilidade, seja na esfera cível, seja na trabalhista.

Para tanto, necessário transcrever o teor do artigo 110, caput do Código de Processo Civil:

Art. 110. Se o conhecimento da lide depender necessariamente da verificação de fato delituoso, pode o juiz mandar sobrestar o andamento do processo até que se pronuncie a justiça criminal (g.n)

De acordo com o dispositivo legal acima transcrito, trata-se o sobrestamento do feito de uma faculdade do juiz, que pode julgar o feito independente de pronunciamento da Justiça Criminal. Assim acontece tanto na esfera trabalhista quanto na esfera cível e nem por isso, repita-se, retira a aplicabilidade do artigo 200 do Código Civil.

Também não constitui óbice à aplicabilidade do artigo 200 do Código Civil o fato de a responsabilidade do empregador ser objetiva nos casos de acidente do trabalho que demande investigação criminal.

De igual forma, e de forma análoga, a responsabilidade do fornecedor ou do prestador de serviços pelo fato do produto ou serviço nas relações de consumo também é objetiva, sendo desnecessária a aferição de autoria e materialidade para a reparação civil ao consumidor, e mesmo assim, o juiz cível não nega a aplicabilidade do artigo 200 do Código Civil.

Por isso, o artigo 200 do Código Civil é uma norma geral e abstrata, de ocorrência automática, quando verificados os fatos, as condições e o lapso temporal nele descrito, pouco importando que a responsabilidade do empregador ou do fornecedor seja subjetiva ou objetiva. Assim, por se tratar de norma abstrata de aplicabilidade tanto na Justiça Comum quanto na Justiça do Trabalho, não pode ser rejeitada pelo julgador ao seu livre talante, sob pena de usurpar a competência de incumbência do Poder Legislativo.

Lado outro, deixar ao julgador a análise sobre a aplicação ou não do artigo 200 do Código Civil é criar incerteza e insegurança jurídica, uma vez que coloca a espada de Dâmocles sobre a cabeça do jurisdicionado.

Conclusão

Não resta dúvidas que a decisão do TST violou o artigo 200 do Código Civil por negar sua aplicabilidade na Justiça do Trabalho, bem como restou violado também o artigo 8º parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho uma vez que nega a vigência de norma que traz consigo um caráter mais favorável ao trabalhador.

Desta forma, permissa venia, a rejeição da aplicabildade do artigo 200 do Código Civil pelo Tribunal Superior do Trabalho não encontra conformidade com oi princípio da norma mais favorável ao trabalhador.

Certamente, por não se tratar de matéria sumulada, o TST poderá se pronunciar novamente sobre o tema. Torcemos que, até lá, mude o posicionamento adotado, maximizando a proteção ao trabalhador com uma proteção conferida por lei.


[1] TST-RR-161/2003-342-01-00.5

[2] GONÇALVES, Renato Lacerda de Lima A Tributação do Software no Brasil . Quartier Latin. São Paulo, 2005. p.17

[3] Idem, Ibidem

[4] ATALIBA, Geraldo, Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968. P.4-5

[5] DELGADO, Mauricio Godinho. Direito do Trabalho e Processo do Trabalho: Critérios para a importação de regras legais civis e processuais civis, In, Revista Prática Jurídica Consulex Ano VI, nº 68 – 30 de novembro de 2007. Brasília, Consulex, 2007, p.62