terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O SACI PERERÊ E A SÚMULA VINCULANTE


Por Wilson Tavares Bastos


Eu estava nos corredores do fórum, em Uberlândia, aguardando o pregão para audiência, quando presenciei uma cena constrangedora: um indivíduo, trajando seu uniforme de detento (no Estado de Minas Gerais os presos usam um uniforme de coloração vermelho escarlate) algemado e sendo observado por trás por dois policiais militares. Cena corriqueira nos fóruns, se não fosse um detalhe: o preso era um deficiente físico; não tinha uma das pernas e,por isso, caminhava aos saltos.


Diante da situação e, aliado aos trajes vermelhos e, talvez, pela cor negra da pele do indivíduo que estava preso, uma criança que estava ali sentada, ergueu-se da cadeira, apontou o dedo na direção do preso e exclamou:

- “Mãe, olha: prenderam o saci pererê![1]

A criança foi imediatamente repreendida pela sua mãe com um safanão, mas o estrago já estava feito: o preso, já humilhado pela situação a qual se encontrava – se merecida ou não, não nos cabe inferir – também fora alvo de chacotas, mesmo que feita por uma inocente criança. Tudo porque o Estado não cumpre as leis que cria, nem respeita as ordens judiciais que profere.


Como é cediço, em 22 de agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal, com o intuito de minimizar os constrangimento causados pelo uso indiscriminado de algemas, editou e publicou a súmula vinculante nº 11, que preceitua


“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”


A súmula em comento é explícita no que concerne às hipóteses excepcionais para o uso das algemas: a resistência; o fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física, por parte do preso e de terceiros.


Ainda, não suficiente a edição desta súmula vinculante: a legislação também é expressa no que tange à excepcionalidade do uso das algemas, o que se depreende da leitura do artigo 292, que determina o uso da força para defesa ou vencer a resistência.


No entanto, mesmo diante da expressa restrição do uso de algemas, o descumprimento da norma é corriqueiro nos fóruns país afora. Detentos, normalmente transitam no fórum a caminho da audiência algemados. O Exemplo do preso alcunhado de “saci-pererê” – que, mesmo sem algemas, não poderia fugir nem opor resistência - é apenas um exemplo de como o Estado deixa de cumprir as próprias regras que impõe. Aliás, o descumprimento das normas pelo Estado é uma patologia endêmica que vem trazendo diversos prejuízos à sociedade, bastando ver o número crescente de reclamações ajuizados no STF para que seja respeitada a autoridade de suas decisões, vindo a triplicar em um período de 05 anos.[2]


É necessário destacar que, quando o agente do Estado não cumpre o que estabelece as normas jurídicas nacionais e os tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, o abuso – inclusive na utilização de algemas – deve, em tese, constituir crime. Está previsto na Lei de Abuso de Autoridade (LF 4.898/1965), Art. 4, que submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei pode levar o seu autor às sanções administrativa, civis e penais.


Cumpre lembrar, a título de paradigma, que Jesus, como Filho do Reino, estava livre das obrigações impostas pela lei; no entanto, as cumpriu em sua totalidade, enquanto que nosso Estado, criado segundo a lei e sob o império dela, se deleita por descumprir aquilo que impõe.


Enquanto nada muda, o Estado vai descumprindo o seu dever de preservar a dignidade humana e presenciaremos cenas de exposição à situações humilhantes.


“Mãe, olha: prenderam o Saci-pererê”!



[1] Saci-Pererê: figura folclórica representado pela figura de um menino negro de uma só perna que possui um gorro vermelho na cabeça e traz sempre um cachimbo na boca.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Repetido é repetido mesmo!!!!!!


É muita tragédia e pouco planejamentao!


Gente, estamos de férias e a produção está escassa,mas face à tragédia do Rio, repetimos artigo sobre semelhante situação ocorrida em 2008 em Santa Catarina.
Hoje, na caminhada matinal na praia (bem cedinho, antes do sol ficar forte) a moça do último quiosque da Barra Sul de Balneário Camboriu disse o oque se espera não seja um vaticínio: Não está livre de acontecer aqui também!!!!!!!!!!!!!!!!




Por Rosângela Tremel, advogada, jornalista, administradora de empresas, professora de Direito Público em grau de Mestre para graduação e pós graduação , Especialista em Advocacia e Dogmática Jurídica em ,Marketing e em Ciências Sociais, co-autora do livro Lei de Responsabilidade Fiscal, publicado pela Editora Atlas, colaboradora de periódicos nacionais especializados


O clima entrou em colapso. Com estas palavras, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, resumiu os 15 finais de semana consecutivos em que o catarinense do litoral ficou olhando a chuva bater em sua vidraça, deslizar para o solo e desaguar em cenário de enxurradas, desmoronamentos e soterramentos que comoveram o país no último mês de novembro.

Chuvas intensas integram o cotidiano do sul do país. Santa e bela Catarina já se recompôs algumas vezes de tragédias de monta, mas os 200 mm que causaram a enchente de 84 no Vale do Itajaí, uma das maiores de todos os tempos, se transformaram em 500 mm em apenas dois dias, durante novembro de 2008. Toda esta água, num solo já encharcado, fizeram com que a terra se “desmanchasse como sorvete”, para utilizar metáfora criada pelo governador do Estado ao presenciar cenas como :encostas caindo em pólos industriais da magnitude de Blumenau ,Brusque e Joinville; a comunidade de Morro do Baú,em Ilhota, praticamente desaparecendo do mapa; rio mudando o curso e abandonando seu leito natural ; o porto de Itajaí, um dos maiores corredores comerciais marítimos do sul, parando totalmente suas atividades; estradas asfaltadas cedendo; gasoduto explodindo; o elegante e turístico norte da ilha, na capital , onde ficam Jurerê Internacional , Costão do Santinho e Canasvieiras, ficando isolado pela queda de uma barreira de 17 mil toneladas de rocha e 20 mil toneladas de terra,que soterraram um caminhão , e transformaram o trânsito em uma aventura por caminhos alternativos que, face à precariedade, acabaram por ceder também. São apenas algumas das imagens fortes que compõem o cenário.

Lentamente, o povo barriga verde vai conjugando o verbo recomeçar . Neste contexto, felizes os que ainda têm para onde voltar, porque muitos não poderão fazê-lo: não há mais o terreno ou, em outros casos, há, mas sob o signo da insegurança, pois fendas se abrem no solo encharcado e geram diagnósticos lúgubres por parte dos peritos em geologia. A Defesa Civil retirou potenciais vítimas de locais ameaçados com base em determinação judicial e sob escolta, diante da insistência em lá permanecer

Se o cartesianismo da ciência não impedisse a interpretação de sinais do cotidiano como indicadores futuros,poder-se-ia dizer que o término das audiências públicas para discussão do teor do Código Ambiental gerou revolta no elemento terra. A enxurrada de descaso com o meio ambiente por inteiro desaguou em deslizamentos e desmoronamentos enquanto, por exemplo, a discussão sobre a sobre a mata ciliar, esta cobertura vegetal que se encontra nas margens dos cursos de água , que evita enchentes e erosão,que funciona como corredor úmido entre áreas agrícolas, permanece gerando ações civis públicas sob a titularidade do Ministério Público Catarinense, cujos resultados se distribuem em 3 diferentes entendimentos por parte do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:a 1ª Câmara de Direito Público adota o art 2º do Código Florestal como limite ao plano diretor e lei do uso solo para definição dos limites de proteção das matas ciliares em áreas de preservação permanente, ainda que urbanas (Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Apelação Cível em Mandado de Segurança n.2006.037714-3). A 2ª Câmara elastece as decisões, adotando plenamente o princípio da proporcionalidade ao estabelecer correlação entre largura do curso d’água e extensão da área a ser preservada, transpondo integralmente as regras florestais para o contexto urbano (Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Apelação Cível em Mandado de Segurança 2006.014702) e a 3ª Câmara de Direito Público adota o entendimento dos 15 metros com base na Lei de Parcelamento do Solo (Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Apelação Cível em Mandado de Segurança n.204.01989-1). Nesta babel judiciária, o recém discutido Código Ambiental , ainda sem data para vigorar, filia-se à corrente de proteção mínima, alegando que assim o exige o panorama minifundiário dos produtores catarinenses. Esquecem, certamente, que o aparato legal exige meio ambiente para vigir e que se nada sobrar, será como para tantas vítimas da enchente: o terreno se foi, resta o nada.

No perfil legal também se inclui a questão do gerenciamento costeiro , programa deflagrado há 20 anos, em 1987, incluindo Santa Catarina no projeto piloto que privilegiava 6 estados. Levantamentos situacionais e diagnóstico de peculiaridades nas regiões norte e centro norte catarinense( as mais ferozmente atingidas pela tragédia de novembro) estão finalizados e materializados no Zoneamento Costeiro, mas aguardam efetivação a partir de detalhes como parâmetros a serem monitorados, infraestrutura operacional e alocação de pessoal.

O governo do Estado, agora, isenta de IPI as empresas que colaboraram com doações aos desabrigados e desalojados; comemora a construção das seis primeiras casas para abrigar famílias que perderam tudo; anuncia a reabertura do Porto de Itajaí com possibilidade de receber apenas embarcações de baixo calado; reabre estradas que teimam em desmoronar; desvia o trânsito ao menor sinal de trovoada; encerra mais cedo o semestre letivo, ensina a combater a leptospirose . Age a reboque, enquanto a sociedade catarinense observa, com olhos úmidos de lágrimas, o gesto do empresário cuja fábrica de conservas foi levada pela fúria da natureza: desabrigado, dividindo o mesmo abrigo com seus ex-funcionários, de posse de uma lista manuscrita e de cheques preenchidos manualmente, quita seu último compromisso com a equipe e paga o 13º salário, para o qual fez previsão orçamentária durante o ano.No momento, o futuro é uma incógnita para ele e para outros tantos. Não deveria ser. O aparato legal permite planejamento e não apenas de cunho financeiro. Há dispositivos como o do tamanho da mata ciliar, ou como o estudo de impacto de vizinhança, ou como o da licença ambiental. Há o Estatuto da Cidade, há a obrigatoriedade de Plano Diretor para municípios com mais de 20 mil habitantes, sem o qual nem recursos do BNDS são obtidos. Isso para citar apenas alguns poucos . Mas há que haver olhos para enxergar, para fazer cumprir os diplomas legais e para ver além do momento presente, nos termos do artigo 225 da Constituição Federal , visando as futuras gerações , cuja tragédia de novembro de 2008 demonstra não serem uma dinastia distante. No momento presente sobraram olhos que não viram, numa sociedade que se omitiu para opinar (ou o fez sem veemência) e cujo poder público fiscalizou precariamente.

Estado de vocação turística, tenta se reerguer. Uma rede de emissora de tv local criou o slogan : Brilha Santa Catarina . As luzes vão se acendendo numa tarefa que deve levar muito tempo, tempo a ser medido em anos.

As praias continuam lindas, o povo segue aguerrido, indústria e comércio adotam estratégias para se recuperar, tudo agasalhado pelo manto da solidariedade nacional, mas que se escreva em letras garrafais embora incluindo um toque de poesia para respeitar a dor dos atingidos pela tragédia , parodiando Fernando Pessoa,: “planejar é preciso”.