sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Contrafação de CD's de videogame não pode ser tipificado no artigo 184 do Código Penal


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Em recente julgado, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais decidiu que a contrafação de Cd's de jogos de videogame não pode incursa como violação de direito de autor, do artigo 184 do Código Penal, mas sim do artigo 12 da Lei de Software ( Lei 9.609/98 ), vindo a rejeitar denúncia oferecida pelo Ministério Público por ilegimidade ativa.

Vale a pena conferir o inteiro teor do acórdão, da lavra do Des. Adilson Lamounier:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - DIREITOS AUTORAIS - JOGOS DE COMPUTADOR - SOFTWARES - ART. 12 DA LEI 9.609/98 - PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE - DESCLASSIFICAÇÃO - AÇÃO PENAL PRIVADA - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR ILEGITIMIDADE ATIVA - DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA. I - Em face ao princípio da especialidade, a conduta daquele que comercializa e tem em depósito programas de computador falsificados, se amolda ao art. 12 da Lei 9.609/98 e não ao art. 184 do Código Penal. II - Em se tratando de crime de ação penal privada, que se procede somente mediante queixa (art.12, §3º da Lei 9.609/98), deve ser rejeitada a denúncia oferecida pelo Ministério Público em face da ilegitimidade ativa, com o conseqüente reconhecimento da extinção da punibilidade da ré, em virtude da decadência do direito de queixa.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0183.05.097945-3/001 - COMARCA DE CONSELHEIRO LAFAIETE - APELANTE(S): GRASIELA SILVA GONZAGA BASÍLIO - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ADILSON LAMOUNIER

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE DO APELANTE PELA DECADÊNCIA.

Belo Horizonte, 07 de julho de 2009.

DES. ADILSON LAMOUNIER - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ADILSON LAMOUNIER:

VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por Grasiela Silva Gonzaga Basílio em face da sentença de fls.76/79, através da qual o MMº. Juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca de Conselheiro Lafaiete julgou procedente a denúncia, condenando a recorrente como incursa nas sanções do art. 184, §2º do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade.

Em suas razões recursais às fls.95/103, a defesa da apelante pugna, inicialmente, pela inaplicabilidade do art.184 do Código Penal, sustentando que tal norma não regula a reprodução de jogos de videogames, por se tratarem de softwares, e como tais, não podem ser entendidos como direito autoral para fins penais.

Alega que os programas de computador possuem lei específica própria, o que afasta a tipificação do art.184 da Lei Penal, acarretando ainda a ilegitimidade ativa do Ministério Público, posto que nos termos do art.12 da Lei 9.608/98, a ação penal somente se procede mediante queixa.

Afirma que o laudo pericial é imprestável aos fins que se destina, posto que não consta os requisitos de autenticidade de jogos de videogames, mas somente de CDs e DVDs. Por fim, pleiteia a aplicação da atenuante da confissão espontânea, com a fixação da pena aquém do mínimo legal.

Às fls. 107/126, contra-razões recursais, pugnando o Ministério Público pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Instada a se manifestar, a d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pela d. Procuradora Erli Alves de Oliveira, opina pelo desprovimento do recurso (fls. 127/131).

É o relatório.

Decido.

Conheço do recurso, vez que estão presentes os seus pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Narra a exordial acusatória que em cumprimento a mandado de busca e apreensão, policiais militares apreenderam em um imóvel diversos fonogramas reproduzidos, sendo estes 425 (quatrocentos e vinte e cinco) CDs de jogos destinados ao jogo Playstation I e 04 (quatro) DVDs de jogos destinados ao jogo Playstation II, de propriedade da denunciada, ora apelante.

Em que pesem restarem comprovadas a materialidade e a autoria do delito, confessada pela própria apelante em juízo (fls.44), o apelo defensivo comporta provimento.

Isto porque, conforme bem salientou o d. defensor, não há dúvida de que os materiais apreendidos devem ser tidos como espécie de programa de computador, posto que se tratam de jogos virtuais de entretenimento, produzidos eletronicamente e reproduzidos por meio de um computador pessoal, ou, no caso do produto Playstation, em um console específico de videogame.

Tais jogos se enquadram perfeitamente ao conceito de programa de computador mencionado no artigo 1º da Lei 9.609/98, segundo o qual:

"Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento de informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados".

Destarte, como a ré foi surpreendida comercializando somente tais produtos, que correspondem a uma espécie de "software" (sistema computacional, que envolve instruções, programas e comandos), não há dúvida de que o produto da violação é o tratado especificamente na Lei 9.609/98.

Cumpre registrar que tal lei veio a proteger e dispor sobre a propriedade intelectual dos programas de computadores, a quem o legislador entendeu pela necessidade de tratamento especial, e que por serem criações decorrentes do esforço e trabalho intelectual de uma pessoa ou grupo de pessoas, necessitariam de proteção ao direito do criador de dispor, usar e fruir de sua obra.

Veja-se que a própria lei trouxe em seu bojo as infrações e penalidades a que se submetem aqueles que violam os direitos de autor, que consiste na reprodução, por qualquer meio, de programa de computador, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente.

Nestes termos:

"Art. 12. Violar direitos de autor de programa de computador:

Pena - Detenção de seis meses a dois anos ou multa.

§ 1º Se a violação consistir na reprodução, por qualquer meio, de programa de computador, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente:

Pena - Reclusão de um a quatro anos e multa.

§ 2º Na mesma pena do parágrafo anterior incorre quem vende, expõe à venda, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador, produzido com violação de direito autoral."

Assim, em face do princípio da especialidade, a ação desenvolvida pela ré e descrita na denúncia, não autoriza a imposição penal derivada da Lei 10.695/06 que deu nova redação ao art. 184, caput e seus parágrafos do Código Penal, mas sim da imposição declinada no supracitado art. 12, § 1º e 2º, da Lei 9.609/98.

Operada a desclassificação da conduta descrita na denúncia, tenho, contudo, que não é o caso de aplicação do disposto no art. 617 do Código de Processo Penal, a qual dispõe taxativamente que o Tribunal atenderá ao disposto no art. 383 também do CPP nos casos de aplicação de pena mais benéfica.

Isto porque a desclassificação operada implica na rejeição da denúncia por ausência de uma das condições da ação, qual seja, a legitimidade ativa para promoção e desenvolvimento da atividade persecutória.

Veja-se que o supracitado art. 12 da Lei 9.609/98 dispõe, em seu §3º, que os crimes nela previstos somente se apuram através de ação penal privada, com a iniciativa do ofendido. Nestes termos:

"Art. 12. (...)

§ 3º Nos crimes previstos neste artigo, somente se procede mediante queixa, salvo:

I - quando praticados em prejuízo de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público;

II - quando, em decorrência de ato delituoso, resultar sonegação fiscal, perda de arrecadação tributária ou prática de quaisquer dos crimes contra a ordem tributária ou contra as relações de consumo."

Assim, se a ação só se inicia através da queixa e inexistindo prova das condições exigidas, não merece ser sustentada a denúncia ofertada pelo Representante do Ministério Público, importando na nulidade do processo desde o recebimento da denúncia ou a sua direta rejeição, por ausência de legitimidade.

Neste sentido, os seguintes julgados:

"EMENTA: SOFTWARE - DENÚNCIA QUE CAPITULA O DELITO NO ART. 184 DO CÓDIGO PENAL - IMPOSSIBILIDADE - ART. 12 DA LEI FEDERAL 9.609/98 - ESPECIALIDADE. Em se tratando de programas de computador, a ação desenvolvida não se amolda ao art. 184 do Código Penal ou seus parágrafos, mas no art. 12 da Lei Federal 9.609/98 em face do princípio da especialidade. AÇÃO PENAL PRIVADA - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA DE OFÍCIO. Operada a desclassificação para delito de ação privada a hipótese será de cassar a sentença e impor a rejeição da denúncia oferecida pelo órgão que não detém legitimidade ativa para a ação penal. Recurso a que se nega provimento, concedendo 'habeas corpus' de ofício para desclassificar e rejeitar a denúncia." (TJMG, Apelação Criminal nº 1.0431.05.020041-6/001, Rel. Des. Judimar Biber, 09/09/2008)

"VIOLAÇÃO DE DIREITO DE AUTOR DE ""SOFTWARE"". CRIME PREVISTO NA LEI 9.609/98. PRELIMINAR. AÇÃO PENAL INSTAURADA ATRAVÉS DE DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 12, § 3º, INCISOS I E II DA ALUDIDA LEI ESPECIAL. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA EXCLUSIVAMENTE PRIVADA. PROCESSO INSUBSISTENTE DESDE O NASCEDOURO. NULIDADE DECRETADA A PARTIR DA DENÚNCIA. DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA OPERADA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE RECONHECIDA. - Consoante o disposto no art. 12 da Lei 9.609/98, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, o crime nela previsto (na forma simples e qualificada) é de ação penal privada, portanto, de iniciativa do ofendido. - Iniciada a ação penal pelo crime previsto no art. 12 da Lei 9.609/98 mediante denúncia do Ministério Público, e não tendo sido sequer cogitada a ocorrência das hipóteses previstas no § 3º do referido dispositivo, que autorizariam a ação penal pública, de se decretar a nulidade do feito ""ab initio"", com o conseqüente reconhecimento da extinção da punibilidade do réu, em virtude de achar-se operada a decadência do direito de queixa." (TJMG, Apelação Criminal nº 1.0024.99.117782-5/001, Rel. Des. Beatriz Pinheiro Caíres, 09/11/2006)

"EMENTA: Violação de direito autoral - "Game" e "Videogame" devem ser tidos como espécie de programa de computador, especialmente porque somente podem ser confeccionados através deste tipo de equipamento do informática - Incidência no caso do disposto na Lei 9 609/98 - Crime de ação penal privada - Inexistência de queixa ajuizada no prazo legal - Reconhecimento da extinção de punibilidade do agente." (TJSP, Apelação Criminal nº 993071223107, Rel. Des. Paulo Sérgio Mangerona, 28/08/2008)

Por conseguinte, como decorreu mais de seis meses desde a data dos fatos, sem notícia de ajuizamento de queixa crime pelo titular do direito autoral de programa de computador, torna-se forçoso o reconhecimento da extinção da punibilidade da agente por força da decadência do direito de queixa, nos termos do art.103, c/c art.107, inciso IV do Código Penal.

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para: I - desclassificar a ação descrita na denúncia atribuída à apelante para a infração prevista no art. 12, §§ 1º e 2º, da Lei 9.609/98, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal; II - cassar a sentença produzida e rejeitar a denúncia, nos termos do art. 12, §3º da Lei 9.609/98 e art. 395, inciso II do Código de Processo Penal; III - de ofício, declarar extinta a punibilidade da apelante pela decadência do direito de queixa, nos termos do art.103, c/c art.107, inciso IV do Código Penal.

Custas ex lege.

É como voto.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO e MARIA CELESTE PORTO.

SÚMULA : DERAM PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, DECLARARAM EXTINTA A PUNIBILIDADE DO APELANTE PELA DECADÊNCIA.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0183.05.097945-3/001

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