domingo, 30 de maio de 2010

A Felicidade como direito fundamental. Ou: O Bolsa-Prozac vem aí!


Por Wilson Tavares Bastos



Ontem eu estava ouvindo as notícias na TV (isso mesmo, “ouvindo”, pois direcionava minhas atenções para o que eu fazia no computador naquele momento) e ouvi uma reportagem que me deixou intrigado: certo deputado (que não guardei o nome) pretende criar um Projeto de Emenda Constitucional a fim de inserir o Direito à felicidade como direito fundamental no bojo da Constituição. Muito embora tenha ficado intrigado com a notícia, não lhe dei, naquele momento, a atenção devida, voltando aos meus afazeres.

À noite, já estava na iminência de tomar meu sagrado Dormonide – potente comprimido induzidor do sono – quando a reportagem me voltou à mente. Afinal, como assegurar o direito fundamental à felicidade? O que é a felicidade? Desisti de tomar o comprimido e comecei pesquisar a respeito e a redigir este singelo artigo.

Descobri que, na verdade, o autor da PEC é o Senador Cristóvan Buarque, que buscou inspiração na “busca pela felicidade”, inserida na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América.


O Estado, que mal consegue assegurar direitos básicos e – teoricamente alcançáveis – como saúde, segurança e dignidade da pessoa humana, agora quer nos proporcionar a felicidade. Que Estado bondoso!


Este é o Verdadeiro Estado-providência. Welfare State é para os fracos, é coisa do passado. Agora a tendência é o Happiness State!


Tal fato me lembrou como a sociedade de “Admirável Mundo Novo”[1] – Excelente obra de Aldous Huxley – tratava de proporcionar a felicidade aos seus cidadãos: dando-lhes rações diárias de soma (uma espécie de antidpepressivo muito potente), além de ensinar os cidadãos alguns “mantras” do tipo: “somos todos felizes”, afinal, segundo as regras da Sociedade de Admirável mundo Novo “sessenta e duas mil repetições fazem uma verdade”.

Longe da sociedade Huxleyana e, de volta à nossa realidade, é sabido que a Felicidade, tal qual a Justiça “é sempre buscada, mas nunca alcançada”. Isso porque o ser humano carrega, em sua natureza, um descontentamento, um inconformismo com a sua condição e, nem sempre – ou melhor, quase nunca – terá satisfeitos os seus anseios, mesmo que possua recursos financeiros, afinal, o alcance da felicidade pode ter obstáculos intransponíveis. Nem tudo na vida é do jeito que queremos. Afinal, “o mundo não é um imenso arco-íris”, como diria Rocky Balboa.

Como lidar com algo que transcende o nosso alcance?

Ora, a felicidade não é algo possível de mensuração exata, até porque a felicidade é definida no ponto de vista subjetivo, de acordo com a vontade, a personalidade da pessoa e as circunstâncias da vida.

Às vezes, a felicidade estará na cura de uma doença incurável; em um padrão de vida inalcançável: para alguns, a felicidade nem sequer está nesta vida! Às vezes, a felicidade está no ente querido, que não está mais aqui, em um amor não correspondido; em uma amizade que se desvanece como a sombra que passa, ou a neblina que dissipa; ou até mesmo em ter uma noite tranqüila de sono sem a necessidade de recorrer a medicamentos fortes.

Data máxima venia, o “Direito fundamental à felicidade” será impossível de ser implementado!

Aliás, fico imaginando se esse Projeto de Emenda à Constituição realmente se tornar norma constitucional e, se por ventura, ao questão envolvendo o futuro direito fundamental chegar ao STF: O Ministro Celso de Melo já proferiu decisão no sentido de que os direitos fundamentais não podem ser meras promessas inconseqüentes”[2]. Ou seja, se continuar nessa linha de raciocínio, vai ter que conceder o direito fundamental à felicidade.

Ou seja, será surreal alguém alegar violação ao seu direito à felicidade por não poder ir à Europa 3 vezes por ano!


E o Poder Público? Claro, o Estado que, de um lado assegura o Direito à Felicidade será o primeiro a descumprir esse direito. Ou seja, dá com uma mão e tira com a outra. Afinal, a felicidade apenas é concedida na reserva do possível. Ou seja, nunca...


Enfim, positivar é fácil, cumprir é quase (o “quase” é bondade minha) impossível.


A não ser que o “direito fundamental à felicidade” se reduza à distribuição de antidepressivos, ou quem sabe, na incessante repetição “somos todos felizes”, “somos todos felizes”, “somos todos felizes...”


[1] Brave New World

[2] Informativo STF 345/2004

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