terça-feira, 3 de agosto de 2010

Os dez anos da lei de Responsabilidade Fiscal e a Carta de Turgot ao Rei Luis XVI


Há que ser lida, pois, a exemplo das obras primas que partem de uma situação particular para eternizar generalidades, no século XXI, o conteúdo da Carta ainda é atual. Boa leitura. Rosangela Tremel

CARTA DE TURGOT AO REI (1)

(ao tomar posse do cargo de Inspetor Geral de Finanças)


Nada de falências!
Nada de aumento de impostos!
Nada de empréstimos!

Nada de falências, nem confessadas, nem dissimuladas por reduções forçadas.
Nada de aumento de impostos: a razão encontra-se na situação de seu povo, e mais ainda no coração de Vossa Majestade.

Nada de empréstimos, porque todo empréstimo sempre diminui a renda disponível, levando ao fim de algum tempo ou à bancarrota ou ao aumento de impostos. Não é necessário, em tempo de paz, tomar empréstimos senão para liquidar dívidas antigas ou para amortizar empréstimos anteriores mais onerosos.

Para cumprir estes três pontos, não há senão um meio. Consiste em reduzir as despesas abaixo da receita, e bem baixo, para poder economizar cada ano uma vintena de milhões, a fim de pagar dívidas antigas. Sem isto, o primeiro tiro de canhão levará o Estado à bancarrota.

Pergunta-se que despesas cortar, e cada ordenador (de despesa), por sua parte, sustentará que todas as despesas particulares são indispensáveis. Eles todos podem ter razões muito fortes, mas como não se tem o bastante para fazer o impossível, é necessário que todas essas razões cedam à face da absoluta necessidade de economia.

Há então absoluta necessidade de que Vossa Majestade exija que os ordenadores de todas as partes entrem em acordo com o Ministro das Finanças. É indispensável que este possa discutir com eles, na presença de Vossa Majestade, o grau de necessidade das despesas propostas. É sobretudo necessário que assim que vós tiverdes definido a situação dos fundos de cada departamento, proibais aos ordenadores qualquer despesa nova sem consulta prévia às Finanças sobre os meios de provê-la . sem isto, casa departamento se encheria de dívidas, que seriam sempre dívidas de Vossa Majestade, e o Ministro de Finanças não se poderia responsabilizar pelo balanço entre a despesa e a receita.

Vossa Majestade sabe que um dos maiores obstáculos À economia é a quantidade de demandas que continuamente a assaltaram, e que a excessiva facilidade com que seus predecessores as acolheram, infelizmente as tem autorizado.

É necessário, Sire, armar-se contra sua bondade, através de sua própria bondade; considerar de onde vem tal dinheiro que podeis distribuir a seus cortesãos, e comparar a miséria daqueles dos quais ele é arrancado, algumas vezes através dos esforços mais rigorosos, com a situação das pessoas que possuem mais títulos para conseguir vossas liberdades...

Previ que estaria isolado no combate contra os abusos de toda espécie e contra os esforços daqueles que ganham com tais abusos; contra todos os preconceitos que se opõem a qualquer reforma, q que são um meio tão poderoso nas mãos de pessoas interessadas em eternizar a desordem. Terei de lutar mesmo contra a bondade natural, contra a generosidade de Vossa Majestade e das pessoas que lhe são mais caras. Serei temido, odiado mesmo, pela maioria da Corte, por todo aquele que solicita favores. Ser-me-ão imputadas todas as recusas; pintar-me-ão como um homem duro, porque terei mostrado à Vossa Majestade que Ela não deve enriquecer mesmo aqueles que Ela ama, às custas da subsistência de seu Povo; este Povo pelo qual me sacrificarei é tão fácil de enganar, que talvez incorra em seu ódio pelas próprias medidas que tomarei para o defender de seus tormentos. Serei caluniado e talvez com tanta verossimilhança, que acabe perdendo a confiança de Vossa Majestade.

Não lembrarei, porém, em perder um lugar que jamais teria esperado. Estou pronto a restituí-lo à Vossa Majestade, desde que não possa mais esperar ser-lhe útil; mas sua consideração, a reputação de integridade, a benevolência pública que determinaram sua escolha em meu favor, me são mais caras que a vida, e corro o risco de perde-las, mesmo não merecendo a meus olhos nenhuma reprovação. (2)

Compiègne, 24 de agosto de 1774.


(1) Extraída do Livro “Lê budget de L’Etat”, J. Rivoli, Editions du Senuil, 1969, págs, 10.11.
(2) Turgot foi destituído do cargo em menos de dois anos.

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