terça-feira, 27 de julho de 2010

Prazo para contestar regras de concurso é de 120 dias da data da publicação do edital


O STJ compreende que o prazo decadencial do direito de impetrar mandado de segurança, em caso de contestação de regras estabelecidas no instrumento convocatório de concurso público, começa a contar da data da publicação do edital do próprio certame. Com base nesse entendimento, a Quinta Turma do STJ negou provimento ao recurso de A.M.G.P., que questionava na Justiça sua reprovação no concurso para o cargo de juiz federal substituto da 5ª Região.


O candidato recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) que não encontrou ilegalidade na nota aferida aos títulos apresentados por ele durante as etapas do concurso. Para o TJPE, a alegação em mandado de segurança feita por A.P., atacando algumas regras do certame, não poderia ser analisada, uma vez que ele resolveu recorrer após mais de 120 dias da data da publicação do edital, caracterizando decadência do direito.


Insatisfeito com a decisão desfavorável, o candidato apelou ao STJ com um recurso em mandado de segurança. No pedido, argumentou que a nota atribuída a ele pela comissão examinadora, relativa aos títulos apresentados, não poderia ter sido incluída no cálculo da média final para efeito de reprovação, na medida em que estaria conferindo um caráter eliminatório não previsto no edital, ferindo o princípio da legalidade. Também alegou que não teve acesso à nota individualizada concedida pelos examinadores na prova oral, o que contrariaria o princípio da publicidade.


A defesa do candidato ressaltou que ele estaria dentro do prazo para contestar as regras do certame, uma vez que o início da contagem se deu quando ele tomou ciência da interpretação manifestada pela comissão do concurso em relação ao edital e à Constituição Federal.


Entretanto, o ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do processo, não acolheu os argumentos do candidato. “A tese exposta na decisão do TJPE encontra-se em perfeita harmonia com a orientação jurisprudencial do STJ, segundo a qual o prazo decadencial do direito de impetrar mandado de segurança começa a fluir da data da publicação do edital do concurso público”.


Em relação à nota obtida na prova de títulos, que estaria supostamente em desacordo com o regulamento do concurso público, o ministro afirmou que o candidato não conseguiu apresentar razões legais para rever a decisão do TJPE. “Limitou-se a fazer a simples referência aos documentos apresentados com a petição inicial, o que caracteriza ausência de satisfação de requisito de admissibilidade formal dos recursos”.


Por fim, quanto à nota da prova oral, o regulamento do concurso público questionado não previa a publicação de cada uma das notas atribuídas aos candidatos pelos examinadores. O citado regulamento preconizava o somatório das notas individualizadas dadas às respostas na prova oral, para, na mesma ocasião, apurar-se a nota final. Era a nota final, portanto, que deveria ser levada ao conhecimento dos candidatos, ensejando, no caso de reprovação, o interesse de recorrer nos termos do edital do concurso.

“Não há direito líquido e certo a ser tutelado, porquanto a comissão examinadora atuou de acordo com as normas do certame. Inexiste ofensa aos princípios da publicidade ou legalidade, preconizados pelo artigo 37 da Constituição Federal, por isso nego provimento ao recurso ordinário”, concluiu o relator.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Honra e virtude: aspectos destacados do Tratado da Política de Aristóteles em oportuno momento de ano eleitoral


por Rosangela Tremel

Honra e virtude. Estas duas palavras permeiam todo o discurso aristotélico expresso no Tratado da Política que, escrito alguns séculos antes de Cristo, ressaltava a importância da classe média no equilíbrio de um governo, chamado de depravado o Estado que pendia a noção da meia medida. Esclarecia também a importância de um Juizado de pequenas causas ao se referir às atribuições do Poder Judiciário; lançava os rudimentos da Teoria dos Sistemas comparando a composição do Estado à do corpo de um animal e, politicamente, afirmava que a melhor forma de governo é a que convém a cada povo, conveniência esta baseada no objetivo da felicidade geral.


Partindo da idéia do primeiro agrupamento humano que, do somatório de casas deu origem às aldeias e estas à cidade, Aristóteles define o Estado como a universidade dos cidadãos que assim se reúnem para bem viver em conjunto. Para ele, o cidadão não é o mesmo em todas as formas de governo, mas, basicamente, considera nesta categoria todos os que participam do poder político e das honrarias, sendo-lhe vedado prostituir-se com intrigas. E no contexto atual o ver que precede a palavra “intrigas”, bem se aplica no cotidiano político nacional, em especial em ano de eleição.


Diferenciando o homem livre do escravo, a figura do bom cidadão, que se caracteriza pelo talento tanto de mandar quanto de obedecer, tem os méritos de cada um dos papéis sociais realçados. A prudência como qualidade do mandatário e a confiança/docilidade como valor de quem está predestinado a obedecer, são claramente definidos. É exatamente neste momento em que o leitor se pergunta por que cabe a um determinar e a outro acatar, que o autor tece suas considerações sobre a Teoria da Liderança, calcada na honra e na virtude. Defensor da educação pública gratuita, da eutanásia e do serviço militar, Aristóteles considera que a virtude provém de três variáveis básicas: natureza, hábito e razão, intrinsecamente vinculados aos postulados que prega. Ele arremata este raciocínio com a idéia de que o que faz bem a um indivíduo, é bom para o Estado.

O princípio da felicidade como objetivo do governo, - este definido como exercício do poder supremo do Estado -, também transparece nas formas consideradas justas. Divididas em três grandes grupos – monarquia, aristocracia e república – se degeneradas de suas formas puras, resultam num detalhe relevante: nenhuma volta-se para o interesse público. Assim, na Monarquia, que se desviada transforma-se em tirania, o sistema volta-se para o rei;na Aristocracia, que pode resultar numa oligarquia, governa quem tem mais virtudes, a atenção concentrada nas fatias mais ricas, e na República, que ele afirma degenerar-se sob forma de democracia, a multidão volta-se preferencialmente para os pobres.


De todas as formas, dentre as justas e seus desvios, Aristóteles aponta a tirania como a mais cruel, embora não deixe de dedicar todo um capítulo ao final de sua obra para demonstrar, de maneira maquiavélica, como o tirano pode aparentar ser um bom governante. Seus conselhos são de que se o tirano quiser alongar seu mandato, deve desempenhar com perfeição o papel da moderação, sendo um administrador de tal monta que faça com que se esqueçam de sua tirania. Os exemplos apontados pelo fundador da ciência política estão intimamente vinculados ao que hoje chama-se de marketing pessoal. Trata-se de cultivar a imagem (apenas a imagem) de que é mais guardião do que dono do tesouro público. Cabe-lhe também ser pessoa de fácil acesso, moderada em seus prazeres, zeloso para com sua família, cumpridor de seus deveres religiosos, sempre se encarregando da distribuição de horários, mas delegando a outros as punições.


No âmbito geral da conservação de Estado, independente de sua forma de trabalho, o Tratado da Política apresenta sugestões como: eliminar os problemas assim que surgem; evitar excesso de prosperidade dos súditos, mas não deixá-los na miséria, vista como a fonte de todas os males sem, entretanto, esquecer que muitas honrarias corrompem; prestar contas dos gastos públicos com regularidade; evitar que heranças sejam remetidas para o estrangeiro; cultivam uma imagem do governo que inspire afeto e não aversão, e harmonizar a educação com a Constituição, o que significa fazer com que, numa oligarquia, por exemplo, o povo seja educado para nela viver, já que da sujeição à forma de governo depende a salvação do Estado.


Considerando como melhor forma de governo aquela que é administrada pelos melhores dirigentes, o livro também defende o princípio da Constituição com respaldo popular, a qual se ajustam as lei. Para tanto é essencial conhecem as várias espécies de governo para, com elas, harmonizar a Legislação. Dentro desta filosofia, Aristóteles apresenta críticas às várias formas de governo e tece considerações curiosas. Um exemplo desta afirmação é a correlação entre o regime de governo e o povo que melhor a ele se adapta: a monarquia serve perfeitamente àqueles que já nasceram sob o jugo de uma família reconhecia como governante; a aristocracia á perfeita para quem se predispõe a sustentar que seus caminhos sejam conduzidos pelos chamados iluminados; a República é o sistema ideal para os homens naturalmente belicosos que tanto mandam quanto obedecem. Além disso, para ele, agricultores e pastores têm predisposições natural para a democracia pois são muito trabalhadores e sem agressividade dada a natureza de suas atividades, e a cavalaria é a mais poderosa oligarquia porque só os ricos tem cavalos. As curiosidades não param aí. Numa nítida comparação simbólica, o autor afirma que democracias gostam de planícies, aristocracia de fortalezas, enquanto oligarquias e monarquias de cidades altas e cidadelas.


A dinâmica social fica evidenciada quando da abordagem da origem das Revoluções no Estado. Neste momento, a democracia é considerada forma mais estável do que a oligarquia, pois seu governo provém de classe média, o que amortece as desigualdades, principais causas de revoluções.


Anule a classe média, estabeleça superioridade em demasia, tenha receio de ver seus crimes descobertos e o regime de governo começa a se deteriorar, seja ele qual for. Em outros patamares, ódio e desprezo derrubam sistemas, em especial os tirânicos. De todos, a democracia é o mais seguro, porque o grande número de pessoas no governo torna-o mais forte e fica mais fácil de contentar os vários segmentos, embora um erro dos demagogos seja o de tornar a multidão senhora das leis que serão boas e justas quando as formas de governo também o forem e, se houver um demagogo, é porque “há algo de podre no reino da Dinamarca”, parafraseando Shakespare.


Faltam virtude e honra, os estreios da sociedade civil, ausentes de duas formas de governo consideradas antinaturais: a oligarquia imoderada e a democracia extrema. Como se percebe, são duas situações em que o meio termo é abandonado, um perigo para governantes e legisladores que devem estar sempre atentos às camadas médias, voltando suas decisões e leis à pluralidade dos cidadãos, objetivando proporcionar-lhes uma vida feliz, definida e pelo filósofo estudado como constituída no livre exercício da virtude, esta, por sua vez, encontrada no meio termo.

domingo, 25 de julho de 2010

A FUNGIBILIDADE DOS PROCEDIMENTOS CAUTELARES SATISFATIVOS PARA AÇÃO DE CONHECIMENTO APÓS O DESPACHO INICIAL


por Wilson Tavares Bastos e Rosangela Tremel

1 – Considerações Iniciais


Com o advento do da Lei nº. 10.444/2002 foi acrescentado ao artigo 273 do Código de Processo Civil o parágrafo 7º, que abre possibilidade ao juiz em conceder, liminarmente, a medida cautelar em caráter incidental quando o autor tenha pedido a antecipação de tutela ou, conceder a antecipação de tutela quando a natureza do pedido é cautelar, vindo a quebrar a rígida aplicação formalista por parte de alguns juízes e desembargadores que não aceitavam essa alteração por ausência de previsão legal.

A pergunta cabível é: pode o juiz, no momento do saneamento do feito ou por ocasião da sentença, efetuar essa fungibilidade mesmo após ter concedido liminarmente a cautelar em caráter incidental e esta tenha caráter satisfativo ou ocorre a preclusão?

2 – Processo Cautelar

Há uma acessoriedade entre o processo cautelar e o processo principal, porquanto a característica do primeiro é natureza conservativa de seus provimentos, os quais têm como objetivo específico preservar os bens em jogo no processo principal do risco de dano que, uma vez consumado, comprometeria seriamente a função satisfativa para que este foi programado. O processo principal (satisfativo) pode, naturalmente, existir sem o concurso dos provimentos cautelares. No entanto, ao teor do artigo 796 do Código de Processo Civil , o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal, mas é deste sempre dependente.

Melhor conceito acerca dos efeitos das medidas cautelares traz Humberto Theodoro Junior, para quem “As medidas cautelares, porém, são geradas por atos decisórios semelhantes àqueles com que o juiz soluciona o litígio no processo de conhecimento. As decisões do processo cautelar, tal como as satisfativas, para alcançar seu objetivo prático, têm de se traduzir em providências concretas, no plano fático. Em outras palavras: a decisão cautelar reclama execução forçada”.
E prossegue o Insigne processualista: “mais do que em qualquer outro processo, as decisões judiciais, no campo cautelar, correspondem a verdadeiras injunções, que tendem a impor prestações imediatas aos sujeitos processuais, tanto positivas (fazer ou dar alguma coisa) como negativas (não fazer ou abster-se de impedir que a outra parte faça o que lhe permitiu a decisão cautelar)” .



3 – Cautelares Satisfativas

Não se pode negar pela impossibilidade em se admitir o caráter de satisfatividade às medidas cautelares. Logo, elas deverão tão somente assegurar a pretensão substancial do autor, sem, contudo, satisfazer-lhe a pretensão.

Esse é o posicionamento de Humberto Theodoro Junior, para quem “As medidas urgentes de natureza satisfativa regem-se pelo instituto da antecipação de tutela (arts. 273 e 461)” .
Esse também é o posicionamento de Nelson Nery Junior, para quem é mais apropriado denominar as cautelares satisfativas de medidas urgentes que, tendo em vista a situação fática ensejam o pedido de liminar ou pedido que se processe pelo rito ordinário.

Nessas hipóteses se torna desnecessária a propositura de posterior ação principal, haja vista que a sua concessão adianta à própria utilidade que a parte autora perseguiria em uma ação principal, ensejando o seu exaurimento em si mesma.

4 – A conversão da cautelar satisfativa concedida para ação ordinária

O processo, instrumento pelo qual o Estado presta sua tutela jurisdicional, quando chamado a intervir, não é um fim em si mesmo, possuindo, outrossim, um objeto que se constitui, nas palavras do ex - Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira em “fazer atuar a lei, o direito objetivo, compondo a lide com justiça” e, no mesmo sentido, complementa Dinamarco, só deve estar apto a “cumprir integralmente toda sua função sócio-político-jurídica, atingido em toda a plenitude todos os escopos institucionais”

Diante disso, chega-se à ilação de que como corolário de um Estado Democrático de Direito, que preza, antes de tudo pela Justiça Material, o processo é, também, um instrumento posto à disposição do jurisdicionado e que deve ter por finalidade o cumprimento de uma função social.
Desta forma, não nos parece absurdo, maxima permissa venia, dizer que seria perfeitamente possível, nos casos em que fosse constatado que uma cautelar ajuizada possuísse natureza satisfativa, que esta fosse convertida pelo magistrado, após a concessão da liminar em uma ação ordinária de natureza cognitiva no momento do saneamento do feito ou mesmo no momento da sentença.

O ajuizamento de uma medida cautelar, no entanto, se mostra, às vezes, como o procedimento mais eficaz à parte postulante do ajuizamento de uma ação ordinária cumulada com pedido de antecipação de tutela, haja vista a grande probabilidade de ser necessário ingressar com uma ação principal ou posterior, como é o caso, por exemplo, de um paciente que necessita de internação urgente e, após ficar constatado que esse mesmo paciente precisa fazer uso de medicamentos caros, acima do seu poder aquisitivo. Lado outro, o julgador, ao se deparar com um pedido cautelar de extrema urgência em que estão presentes os requisitos ensejadores de sua concessão, muito dificilmente indeferirá a liminar baseado na satisfatividade da pretensão.

Apenas por ocasião do julgamento final em primeira instância ou em grau recursal é que o julgador analisa a satisfatividade do pedido liminar, extinguindo o processo sem resolução do mérito.

A extinção do processo sem resolução do mérito não nos parece, todavia, a melhor opção. Conforme já foi dito alhures, o fim primordial do processo é cumprir sua função social.
Essa medida extrema não é, a nosso ver, a melhor solução. Tal extinção seria lacunosa à prestação jurisdicional, além de haver o sério risco de que a satisfatividade da tutela pretendida seja apenas temporária, o que acarretaria a necessidade do ajuizamento de outra ação, seja ela cautelar, ordinária ou mandado de segurança, abarrotando, cada vez mais o Judiciário de processos, o que demanda tempo e dinheiro público.
Desta forma, esposa-se o entendimento de que a fungibilidade de procedimentos seria a melhor alternativa, seja para a busca de uma tutela jurisdicional plena, seja em respeito aos princípios da economia e celeridade processuais. Essa fungibilidade teria como premissa constatar a inviabilidade do prosseguimento da ação cautelar em virtude de sua satisfatividade e, via de conseqüência a sua conversão para o procedimento ordinário, convertendo, também a liminar concedida em antecipação de tutela, nos termos do § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil.
Assim, haveria oportunidade de proporcionar ao jurisdicionado uma prestação plena, com a resolução do mérito, ocasionando o julgamento definitivo e a coisa julgada material, bem como aferir se houve má-fé por parte do postulante, que responderia pelas perdas e danos. Ademais, diante do princípio jura novit curia, mister se faz que a parte proceda à narrativa dos fatos e referencie os fundamentos, cumprindo ao Julgador a aplicação do Direito ao caso. Também o princípio da instrumentalidade do processo determina que se receba e processe adequadamente a petição inaugural, independentemente do nome atribuído à ação. Interessa que o pedido possa ser examinado, do modo como foi formulado.

Ademais, com tal conversão estaria preservado o devido processo legal e seus consectários do direito ao contraditório e ampla defesa, antes de ser o litigante privado de qualquer bem jurídico (CF/88, art. 5º, incs. LIV e LV).

De fato, a conversão procedimental aqui defendida, ao contrário da fungibilidade existente no § 7º do artigo 273 do CPC não possui previsão legal. Tratar-se ia, portanto de uma inovação? Sim. Mas negar atenção e deixar de analisar uma inovação ou uma tese defendida unicamente pelo fato de não haver previsão legal seria tolher a evolução do direito. A ausência de previsão legal também não pode ser óbice para a devida aplicação pelo julgador quando a solução extralegal seria a melhor alternativa ainda que desprovida de qualquer imposição ou regulamentação normativa.

Usa-se aqui os ensinamentos de Humberto Theodoro Junior, para quem "...seu dever (do juiz) sempre será o de processar os pedidos de tutela de urgência e afastar as situações perigosas incompatíveis com a garantia de acesso à justiça e de efetividade da prestação jurisdicional seja qual for o rótulo e o caminho processual eleito pela parte. O que lhe cabe é verificar se há um risco de dano grave e de difícil reparação. Havendo tal perigo, não importa se o caso é de tutela cautelar ou de tutela antecipada: o afastamento da situação comprometedora da eficácia da prestação jurisdicional terá de acontecer."

Também não se pode dizer que a alteração seria extra petita ou configurasse negativa de vigência ao artigo 796 e ao inciso III do artigo 801, ambos do Código de Processo Civil. Em primeiro lugar a conversão processual não alterará o direito material pretendido, pois o provimento, exceto no que tange à questão terminológica será o mesmo, fundado no pedido e nas causas de pedir, próxima e remota. Em segundo lugar, em havendo a fungibilidade o procedimento cautelar deixará de existir, dando lugar ao procedimento ordinário, disposto no Título VIII do Livro I do CPC.

5 - Considerações Finais

Não resta dúvidas de que, no momento em que o julgador estiver analisando os pressupostos para a concessão de uma medida de urgência, poderá exercer a fungibilidade dos procedimentos, tornando uma medida cautelar em antecipação de tutela ou vice-versa, pois que autorizado pelo §7º do artigo 273 do Código de Processo Civil. Torna-se, necessário, portanto saber se é dada essa possibilidade ao juiz após a concessão da liminar satisfativa em despacho saneador ou mesmo na sentença, para que não haja risco de uma extinção sem resolução do mérito e um posterior ajuizamento da mesma ação, com as mesmas partes, causa de pedir e pedido, alterando-se apenas a nomenclatura da ação.

Ademais, será desnecessário ao juiz dar oportunidade ao requerente para que adapte o seu pedido haja vista que, concedida a antecipação de tutela em fungibilidade à cautelar, estará demonstrada a presença dos requisitos legais para a sua concessão. Tal oportunidade só poderá ser aberta no momento anterior ao despacho que conceda ou não a tutela antecipada, ocasião em que o pedido cautelar poderá ser adaptado ao pedido de tutela antecipada.

Chega-se à conclusão, portanto, de que a fungibilidade processual não é de ser descartada em virtude das vantagens acima expostas. O Direito deve seguir os anseios da sociedade; deve ser dinâmico a ponto de evoluir, mesmo que, para isso dobrem-se pré-conceitos que fomentam a burocracia e a morosidade da prestação jurisdicional. Não há mais lugar para formalismos exacerbados que pouco contribuem para que a justiça seja devidamente aplicada.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A INCONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DE PRAZO MÍNIMO PARA AJUIZAR PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL


por Rosangela Tremel e Wilson Tavares Bastos

1 - Considerações Iniciais

Em uma sociedade capitalista, as empresas estão sempre sujeitas às crises econômicas e financeiras; seja em virtude da adoção de planos econômicos e políticas públicas por parte do Estado que nem sempre são eficazes; seja por outros fatores como má administração, queda na procura, guerra, epidemia animal etc., o que acarreta na necessidade da adoção de condutas liqüidatórias eficientes para guarnecer os interesses dos credores em virtude da quebra da empresa.

O Decreto-Lei nº 7.661/41 que regia os institutos da falência e da concordata no direito brasileiro, não mais cumpria a sua função social, pois se encontrava defasado e inadequado às necessidades de manutenção de vida da empresa (quando se pedia a concordata), ou mesmo na sua rápida liquidação a fim de satisfazer os credores, tornando-se ao mesmo tempo nociva a este, ao devedor e ao Estado prestador da tutela jurisdicional que deveria, por muito tempo, movimentar um processo excessivamente burocrático de falência e concordata que dificilmente chegava a um fim satisfatório.

Houve, portanto, a imperiosa necessidade de alterar o direito falimentar brasileiro, o que acarretou na publicação da Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, que passou a regulamentar os procedimentos da falência e da recuperação de empresas no direito brasileiro.

A Lei nº 11.101/05, por sua vez, trouxe alguns requisitos a serem preenchidos pelas empresas a fim de se recuperarem. Dentre estes requisitos, encontra-se presente a necessidade de estar em atividade pelo lapso temporal mínimo de 02 anos, conforme expressa o seu artigo 48 em sua parte final, que, a nosso ver, é inconstitucional, conforme será devidamente demonstrado a seguir:

2 - O Conceito de Empresa e a sua inserção constitucional na ordem econômica:

Define-se empresa como a associação para explorar uma atividade, um negócio. Ou seja, tal definição confunde-se com seus objetivos, quais sejam a produção e o oferecimento de bens ou serviços a fim de atender alguma necessidade humana.

Sob o aspecto jurídico-doutrinário a empresa é assim definida por Fabio Ulhôa Coelho como sendo atividade, cuja marca essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados estes mediante a organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia)”

Para Carvalho de Mendonça: “Empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade”

O empresário, por sua vez, é definido pelo artigo 966 do Código Civil: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços”

O relacionamento umbilical entre as noções de empresa e empresário, por sua vez, exposto por Oscar Barreto filho, citado por Fábio Ulhôa Coelho, delieneia-se como “Ao conceito básico de empresário se ligam as noções distintas, mas que na realidade se acham estreitamente correlacionadas. O empresário como vimos, é um sujeito de direito, e a empresa é a atividade por ele organizada e desenvolvida, através do instrumento adequado que é o estabelecimento. A figura do empresário é determinada pela natureza da atividade por ele organizada e dirigida; sob este aspecto, a não de empresário é, logicamente, um corolário da noção de empresa
Assim, empresário é aquele que assume em seu próprio nome os riscos de seu empreendimento. Para Rubens Requião, o empresário é “um produtor impelido pela persecução do lucro, mas consciente de que constitui uma peça importante no mecanismo de produção da sociedade moderna”

Destacam-se, portanto, da definição as noções de profissionalismo, atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços.

Profissionalismo. A noção de profissionalismo de determinada atividade é associada a consideração de três ordens. A primeira diz respeito à habitualidade. Não se considera profissional quem realiza tarefas de modo esporádico.

Atividade. A atividade reveste-se à finalidade de produção ou circulação de bens ou serviços; é econômica no sentido de que busca gerar lucro para quem a explora. Note-se que o lucro pode ser o objetivo da produção ou circulação de bens ou serviços, ou apenas o instrumento para alcançar outras finalidades.

Organizada. A organização da atividade da empresa gira no sentido de nela se encontram articulados, pelo empresário, os quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia. Não é empresário quem explora atividade de produção ou circulação de bens ou serviços sem algum desses fatores.

Produção de bens ou serviços. Produção de bens é a fabricação de produtos ou mercadorias. Toda atividade de indústria é, por definição, empresarial. Produção de serviços, por sua vez, é a prestação de serviços.

Circulação de bens ou serviços. A atividade de circular bens é a do comércio, em sua manifestação originária: ir buscar o bem no produtor para trazê-lo ao consumidor. É a atividade de intermediação na cadeia de escoamento de mercadorias. O conceito de empresário compreende tanto o atacadista como o varejista, tanto o comerciante de insumos como o de mercadorias prontas para o consumo.

Diante das características que revestem o empresário, Fábio Ulhôa Coelho extrai do conceito legal de empresário o de empresa. Para tanto expõe que “Se o empresário é definido como o profissional exercente de “atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, a empresa apenas pode ser a atividade com estas características.

Por outro lado, na qualidade de produtora ou circuladora de serviços, a empresa tem grande relevância na ordem econômica constitucional, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos expressamente previstos em lei e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios previstos no artigo 170 da Constituição Federal , que prescreve:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Diante do dispositivo constitucional acima transcrito, nota-se que o trabalho humano não é fim em si mesmo, mas instrumento apto e essencial para o desenvolvimento do Estado; é instrumento de dignificação humana e força motriz do desenvolvimento. Entretanto, não é todo trabalho que proporciona tais virtudes, mas somente aqueles que respeitam os citados princípios enumerados nos incisos do artigo 170 da Constituição da República.

Assim salienta Raul Machado Horta, citado por Alexandre de Mores “No enunciado constitucional, há princípios - valores: soberania nacional, propriedade privada, livre concorrência. Há princípios que se confundem com intenções: reduções de desigualdades regionais, busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte (alterado pela EC nº 6/95); função social da propriedade. Há princípios de ação política: defesa do consumidor, defesa do meio ambiente”.

Ademais, o primeiro dos fundamentos da república brasileira, bem como no artigo 170, I, que aponta também como o primeiro dos princípios gerais da atividade econômica. Dentre tais princípios também está explicitado a busca do pleno emprego, nos termos do inciso VIII do artigo 170 da Lex maxima. De grande importância é a empresa para o Estado, seja na qualidade de provedor de empregos, seja como fonte de receitas tributárias para o próprio ente estatal. Por isso, a proteção à empresa (ainda que indireta às empresas de grande porte), inclusa no âmbito da ordem econômica foi positivada pela Constituição da República ao estabelecer princípios a serem respeitados pelo Estado e Pelo empreendedor.

Desta forma, de grande importância é a empresa para o Estado, seja na qualidade de provedor de empregos, seja como fonte de receitas tributárias para o próprio ente estatal. Por isso, a proteção à empresa (ainda que indireta às empresas de grande porte), inclusa no âmbito da ordem econômica foi positivada pela Constituição da República ao estabelecer princípios a serem respeitados pelo Estado e pelo próprio empreendedor. Deve, portanto, a sua ter sua criação e manutenção plenas estimuladas pelo Poder Público.

3 - Lei n.11.101/2005 e Recuperação de Empresas

A Lei n.11.101/05 trouxe significativas mudanças no direito falimentar brasileiro, seja alterando o processo de falência, facilitando a execução concursal, além de por fim ao inquérito judicial; seja extinguindo o instituto da concordata, substituído pela recuperação de empresas.
Sob o enfoque da Lei de Recuperação de Empresas, o conceito de recuperar é assim exposto por Waldo Fazzio Junior:Recuperar significa readquirir, reconquistar, reaver, recobrar. A palavra traz o sentido de restauração. A LRE optou pela denominação recuperação empresarial, precisamente para designar o restabelecimento da normalidade da atividade economia. Poderia ter escolhido reorganização, ou, até mesmo, reestruturação. Ficou mesmo com recuperação, portanto, elegendo conotação de procedimento destinado a restaurar a saúde econômica da empresa.

A finalidade primordial da recuperação judicial é impedir que determinada categoria de créditos monopolize os recursos do devedor, em detrimento de outras.

Os demais objetivos as recuperação judicial de empresas são, de um lado a maximização das possibilidades dos credores e, de outro, conservar os empregos que oferece e continuar produtiva no mercado.

A ação possui natureza cognitiva pela qual há a pluralidade de partes, quais sejam: de um lado o devedor e de outro o credor e os empregados daquele. Tal ação tem por finalidade a concretização da função social da empresa.

Logo, na ação de recuperação judicial o objeto mediato é a salvação da atividade empresarial em risco e o objeto imediato é a satisfação, ainda que impontual, dos credores, dos empregados, do Poder Público e, também, dos consumidores. E, nas palavras de Waldo Fazzio Junior “a instituição de um regime jurídico especial para o encaminhamento de soluções para referida crise, seus desdobramentos e repercussões”

A ação de recuperação judicial dirige-se a empresas viáveis, não contemplando modalidade de recuperação suspensiva da falência.

4 - Requisitos para a concessão de recuperação judicial

Conforme se depreende pelo artigo 48 da Lei n.11.101/2005, são quatro os requisitos, cumulativos para que a empresa obtenha a recuperação judicial de empresas além do exercício regular de atividades pelo prazo mínimo de 02 anos: não ter falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; não ter, há menos de 5 anos, obtido concessão de recuperação judicial; não ter, há mais de 8 anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata os artigos 70 e 71 da Lei de recuperação de empresas; e não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes definidos na Lei 11.101/2005.
É objeto de análise, contudo, o requisito mínimo de 02 anos para requerer recuperação judicial em virtude de sua inconstitucionalidade.

Cumpre lembrar que as empresas que pretenderem obter a concessão da recuperação extrajudicial também terão de estar exercendo atividade regular há mais de dois anos, ex vi do artigo 161 e 48 da Lei n. 11.101.2005, in verbis

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente

5 - A inconstitucionalidade do prazo de 02 anos em o princípio da isonomia

O caput do artigo 48 da Lei n.11.101/2005 impõe como condição para requerer a recuperação judicial o exercício regular de atividades de mais de dois anos. Tal dispositivo tem como pressuposto a consolidação da empresa. Lecionando sobre o dispositivo legal acima transcrito, Fábio Ulhôa Coelho expõe como motivação de tal medida que o devedor “não teria tempo suficiente para configurar-se a contribuição daquela atividade como significativa a ponto de merecer o sacrifício derivado de qualquer recuperação judicial”10. Esse exercício deverá ser apresentado por intermédio da certidão da Junta Comercial.

Fazzio Junior justifica a exigência do registro bienal, para que não se prodigalize o instituto da recuperação judicial, com sua concessão prematura a empresas recém constituídas. 11 No entanto, tais justificativas não afastam a inconstitucionalidade de tal exigência, uma vez que afrontam o princípio da isonomia, positivado no caput do artigo 5º da Constituição da República12.

A igualdade se constitui no tratamento isonômico nos casos determinados, ou seja, a sujeição aos mesmos direitos e deveres; também se reveste no tratamento desigual dos casos desiguais. Carmem Lúcia Antunes Rocha traz definição precisa para o princípio da igualdade:"o que se pretende, então, é que a igualdade perante a lei signifique igualdade por meio da lei, vale dizer, que seja a lei o instrumento criador das igualdades possíveis e necessárias ao florescimento das relações justas e equilibradas entre as pessoas. Há se desbastarem, pois, as desigualdades encontradas na sociedade por desvirtuamento sócio-econômico, o que impõe, por vezes, a desigualação de iguais sob o enfoque tradicional"13.Tal princípio é, nas palavras de Celso Ribeiro Bastos, “dos mais importantes da Constituição: ele incide no exercício de todos os demais direitos”14.

Para que haja a aplicação de desigualdade é necessário, conforme aduz Alexandre de Moraes, “a existência de uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação de proporcionalidade entre os meios empregados e finalidades perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos” 15

No caso em comento, inexiste justificativa plausível para impor a necessidade de atividade mínima de 2 anos para pedir as recuperações judicial e extrajudicial.

Ora, a única diferenciação feita pela Constituição da República no que atine aos tratamentos às empresas está determinada pelo artigo 170, IX da Constituição ao impor tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Afora tal hipótese, afasta-se qualquer outro tratamento diferenciado, pois que abusivos.

O argumento de consolidação da empresa não resiste a uma fundamentação detalhada. Uma empresa consolidada pode trazer menos benefícios à sociedade do que uma empresa cujo funcionamento alcança grande monta financeira; possuir evoluídos padrões de consumo, circulação, desenvolvimento e organização, além de empregar considerável número de pessoas, vindo talvez a ser o principal gerador de empregos de uma cidade ou uma região, além de contribuir para manter uma balança comercial favorável em virtude das exportações.
Pode também ser constituída com um vultoso capital social e, mesmo assim, vir também ser atingida pela alea econômica.

Grande é, portanto, a possibilidade de uma empresa com tempo de atividade inferior a 2 anos causar impacto maior à sociedade à empresa que tenha preenchido esse requisito.

Há que se considerar ser ,em alguns casos, preferível promover a recuperação de uma empresa que realmente contribua para com o desenvolvimento regional do conceder a recuperação judicial à empresa que esteja em atividade há mais de 02 anos. E é, justamente à preservação desse tipo de empresa que alude Fábio Ulhôa Coelho ao comentar o tema sob a égide do então Novo código Civil, feito em seu Manual de Direito Comercial: “a tendência atual do direito comercial no que diz respeito às questões envolvendo os sócios, é a de procurar preservar a empresa. Em razão dos múltiplos interesses que gravitam em torno da produção e circulação de riquezas e comodidades, reservadas à empresa pela ordem constituída, inclusive a constitucional, a sua existência e desenvolvimento deixa de ser assunto da exclusiva alçada de seus sócios. É ele quem conclui:Este princípio, o da preservação da empresa, não pode ser ignorado, nos dias correntes, no estudo de qualquer questão de direito societário. Mas ainda no que diz respeito à dissolução. 16
O argumento de “prodigalização” do instituto da recuperação judicial (que se confunde com a “consolidação” acima exposta) também não prospera. Não há como se conceber, sob a presunção da boa-fé, que alguém vá criar uma empresa com o objetivo de fraudar credores, ser inadimplente e pedir a recuperação. Várias são as causas que ensejam a necessidade em obter a recuperação, algumas são previsíveis, mas a iminência em seus acontecimentos pode tornar muito difícil, quiçá impossível tomar precauções para que a empresa se livre a adversidade.
Ademais, os requisitos inseridos nos incisos do artigo 48 de não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo e não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

são suficientes para afastar qualquer tentativa nesse sentido, seja por parte da empresa, seja pelo sócio ou administrador.

Desta forma, não havendo justificativa plausível e em conformidade com os ditames constitucionais, não poderia o legislador infraconstitucional impor a necessidade de atividade de mais de 2 anos para a concessão da recuperação de empresa, uma vez que constitui afronta ao princípio da isonomia, positivado no artigo 5º caput da Constituição da República.

6 - Considerações Finais

Grande é a importância da empresa para que sejam alcançados os anseios da República Federativa do Brasil no que tange aos fundamentos da livre iniciativa, da dignidade da pessoa humana , dos valores sociais do trabalho , uma vez que se trata da principal geradora de riquezas, seja empregando a população, seja na contribuição para manter uma balança comercial favorável.
Foi justamente no intuito em manter essas empresas, no momento em que se encontrar em crise financeira e desde que atendidos os pressupostos de sua viabilidade a recuperação surgiu, sob a disciplina da Lei n.11.101/2005 o instituto da recuperação de empresas, com a finalidade de impedir que determinada categoria de créditos monopolize os recursos do devedor, em detrimento de outras; manter a maximização das possibilidades dos credores e conservar os empregos que oferece, além de continuar produtiva no mercado.

É desnecessário, porém, aguardar o prazo de 2 anos para pedir a recuperação de empresas, uma vez que tal necessidade presente no caput do artigo 48 da nova lei de falências é inconstitucional, por ferir o princípio da isonomia e, apenas as microempresas gozar de tratamento especial pela Lei Fundamental. Afinal, as crises econômica e financeira não escolhem tempo para acontecer.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Acompanhando


PEC pode tornar gratuitas as ações de mandado de segurança e de mandado de injunção

O Plenário do Senado poderá votar, no próximo semestre, proposta de emenda à Constituição do então Senador José Maranhão (PMDB-PB) que altera da Constituição Federal para estabelecer a gratuidade das ações de mandado de segurança e de mandado de injunção.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 84/07) altera o inciso LXXVII do art. 5º da Constituição, de acordo com José Maranhão, tem o objetivo de assegurar ao cidadão o direito de impetrar mandado de segurança ou de injunção com total gratuidade, salvo má-fé, uma vez que tais ações visam coibir abusos praticados pelo Estado.

O mandado de segurança protege direito líquido e certo afrontado por autoridade pública através de ato ilegal, abusivo ou arbitrário. Já o mandado de injunção tem por objetivo garantir os direitos dos cidadãos previstos na Constituição federal, sobretudo direitos fundamentais e sociais, na ausência de normas que os regulamentem.

Na justificativa da PEC, José Maranhão diz que o tratamento desigual conferido pela Constituição ao mandado de segurança e ao de injunção, em relação ao habeas corpus e ao habeas data - que são gratuitos - ocorreu "somente por descuido do legislador constitucional originário".

"É injusto que o Estado cometa uma ilegalidade e, logo em seguida, cobre caro do cidadão que pretenda se proteger dessa afronta a seus direitos", diz José Maranhão.

A PEC nº 84/07 tramita em conjunto com a PEC nº 74/07, que legitima o Ministério Público para a impetração do mandado de segurança coletivo. O relator das propostas na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), Senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), apresentou parecer favorável, incorporando o teor da PECs nºs 84/07 à 74/07, bem como acolhendo emenda da Senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) que estende à Defensoria Pública a legitimidade para a impetração de mandado de segurança coletivo. A CCJ aprovou o parecer de Inácio Arruda em julho do ano passado.

Fonte: Agência Senado

O Estado tudo pode? O Leviatã estudado segundo a ótica do interesse-próprio



Por Wilson Tavares Bastos


É interessante notar como nos meios acadêmicos que, no estudo da obra de Thomas Hobbes, da máxima do “Estado tudo pode” é tão difundida. Para tais, o Estado encontra limites apenas no próprio Estado. O cidadão que, despido de seu estado de liberdade, confere direitos ao Estado para que, limitando essa liberdade, acabe por resultar no fim da guerra de todos contra todos. Claro, tal idéia é reflexo do contexto histórico posterior à edição do “Leviatã”, qual seja, o absolutismo. Até mesmo o próprio Hobbes defendeu a existência de um Estado absoluto, mas esse absolutismo não pode ser aqui entendido, terminologicamente, como poder ilimitado do Estado (já que até mesmo o próprio Hobbes reconheceu a existência do direito natural e pôs o estado como um “deus mortal”, abaixo do Deus Imortal).

Tal visão – até mesmo sob o contexto histórico do absolutismo – é, a meu ver, equivocada. Mesmo que o indivíduo prefira privar de sua liberdade em prol do bem comum, esta privação não é completa, já que a privação da liberdade em favor do Soberano tem como valor principal a proteção do interesse-próprio. O Soberano, embora concentre a esmagadora parcela do poder, possui o dever de usar esse mesmo dever a fim de garantir o mínimo para manter um mínimo de liberdade individual.


Para Hobbes, o homem é definido em seu estado Natural como egoísta, egocêntrico e inseguro. Ele não conhece leis e não tem conceito de justiça, ele somente segue suas paixões e desejos misturados com sugestões de sua razão natural. Onde não existe lei ou governo, os homens naturalmente caem na discórdia. Desde que os recursos são limitados, ali haverá competição, que leva ao medo,à inveja e a disputa. Com a desconfiança, perde-se a segurança de confiar no próximo e na busca pela gloria, derruba-se os outros pelas costas, já que para Hobbes, os homens são iguais nas capacidades e na expectativa de êxito, nenhuma pessoa ou grupo pode, com segurança reter o poder. Assim, o conflito acontece sempre e “cada homem é inimigo de outro homem”.

Embora eu não concorde com a adoção dessa teoria como padrão de vida, é uma visão preconcebida do estado de egoísmo do Homem, visão esta usada por Hobbes (O homem como o lobo do próprio homem) para justificar o estado de natureza.

Mas o que vem a ser a teoria do Interesse-próprio?

Tal teoria moral foi criada quando os moralistas discutiam se a pessoa deveria sacrificar sua vida por Deus ou por outros homens. Seu criador foi Ayn Rand, para quem o propósito da moralidade não é ensinar a pessoa a sofrer pelos outros e morrer, mas, sim, ter prazer e viver.[1]

Ainda, segundo o estudioso da moral do interesse-próprio, "enquanto os homens desejarem viver juntos, nenhum homem pode iniciar [...] o uso da força física contra os outros." Se houver agressores, segue-se que o interesse próprio esclarecido dos indivíduos pode justificavelmente levá-los a ficar juntos em mútua auto-defesa. Semelhante acordo mútuo não é um dever moral mas, sim, uma escolha voluntária; feita, não para ajudar aos outros, mas, sim, para proteger seu próprio auto-interesse. Logo, "o único propósito apropriado de um governo é proteger os direitos do homem, o que significa: protegê-lo da violência física. Um governo apropriado é apenas um policial, agindo como agente da auto-defesa do homem...[2]

Assim, constata-se que tal teoria pode ser perfeitamente aplicada no momento em que o cidadão priva-se de sua liberdade em favor do Estado, já que o faz para que seu interesse-próprio à segurança seja preservado. Claro, não devemos nos esquecer que o próprio Thomas Hobbes ao escrever seu livro deixou bem claro que, sem esse acordo mútuo, o homem viveria em constante guerra com o seu próximo, e, por ter a maldade ínsita ao seu ser, apenas poderia ser movido pelo amor próprio para privar parcela da própria liberdade (afinal, se o amor ao próximo – ou a Deus – prevalecesse, não seria necessário o estado de constante guerra de todos contra todos)

Ainda, sob o prisma do interesse-próprio, deve-se ter interesse apenas no que tem valor. Disso, pergunta-se: que interesse haveria se o Estado retirasse a liberdade do indivíduo em prol do bem comum se, em contrapartida não cumprisse sua parte no acordo e não concedesse esse bem comum, que, na realidade seria a segurança individual?

Assim, o Soberano não é, no plano filosófico, ilimitado já que encontra limitações no próprio sentido da abnegação do indivíduo de sua liberdade ao estado em favor de um bem comum, o que nada mais é do que um espelho de seu interesse próprio.


[1] Ayn Rand, For the New Intellectual, New American Library, 1961, págs, 120, 123.

[2] Ayn Rand, For the New Intellectual, New American Library, 1961, págs, 134, 183.