terça-feira, 27 de julho de 2010

Honra e virtude: aspectos destacados do Tratado da Política de Aristóteles em oportuno momento de ano eleitoral


por Rosangela Tremel

Honra e virtude. Estas duas palavras permeiam todo o discurso aristotélico expresso no Tratado da Política que, escrito alguns séculos antes de Cristo, ressaltava a importância da classe média no equilíbrio de um governo, chamado de depravado o Estado que pendia a noção da meia medida. Esclarecia também a importância de um Juizado de pequenas causas ao se referir às atribuições do Poder Judiciário; lançava os rudimentos da Teoria dos Sistemas comparando a composição do Estado à do corpo de um animal e, politicamente, afirmava que a melhor forma de governo é a que convém a cada povo, conveniência esta baseada no objetivo da felicidade geral.


Partindo da idéia do primeiro agrupamento humano que, do somatório de casas deu origem às aldeias e estas à cidade, Aristóteles define o Estado como a universidade dos cidadãos que assim se reúnem para bem viver em conjunto. Para ele, o cidadão não é o mesmo em todas as formas de governo, mas, basicamente, considera nesta categoria todos os que participam do poder político e das honrarias, sendo-lhe vedado prostituir-se com intrigas. E no contexto atual o ver que precede a palavra “intrigas”, bem se aplica no cotidiano político nacional, em especial em ano de eleição.


Diferenciando o homem livre do escravo, a figura do bom cidadão, que se caracteriza pelo talento tanto de mandar quanto de obedecer, tem os méritos de cada um dos papéis sociais realçados. A prudência como qualidade do mandatário e a confiança/docilidade como valor de quem está predestinado a obedecer, são claramente definidos. É exatamente neste momento em que o leitor se pergunta por que cabe a um determinar e a outro acatar, que o autor tece suas considerações sobre a Teoria da Liderança, calcada na honra e na virtude. Defensor da educação pública gratuita, da eutanásia e do serviço militar, Aristóteles considera que a virtude provém de três variáveis básicas: natureza, hábito e razão, intrinsecamente vinculados aos postulados que prega. Ele arremata este raciocínio com a idéia de que o que faz bem a um indivíduo, é bom para o Estado.

O princípio da felicidade como objetivo do governo, - este definido como exercício do poder supremo do Estado -, também transparece nas formas consideradas justas. Divididas em três grandes grupos – monarquia, aristocracia e república – se degeneradas de suas formas puras, resultam num detalhe relevante: nenhuma volta-se para o interesse público. Assim, na Monarquia, que se desviada transforma-se em tirania, o sistema volta-se para o rei;na Aristocracia, que pode resultar numa oligarquia, governa quem tem mais virtudes, a atenção concentrada nas fatias mais ricas, e na República, que ele afirma degenerar-se sob forma de democracia, a multidão volta-se preferencialmente para os pobres.


De todas as formas, dentre as justas e seus desvios, Aristóteles aponta a tirania como a mais cruel, embora não deixe de dedicar todo um capítulo ao final de sua obra para demonstrar, de maneira maquiavélica, como o tirano pode aparentar ser um bom governante. Seus conselhos são de que se o tirano quiser alongar seu mandato, deve desempenhar com perfeição o papel da moderação, sendo um administrador de tal monta que faça com que se esqueçam de sua tirania. Os exemplos apontados pelo fundador da ciência política estão intimamente vinculados ao que hoje chama-se de marketing pessoal. Trata-se de cultivar a imagem (apenas a imagem) de que é mais guardião do que dono do tesouro público. Cabe-lhe também ser pessoa de fácil acesso, moderada em seus prazeres, zeloso para com sua família, cumpridor de seus deveres religiosos, sempre se encarregando da distribuição de horários, mas delegando a outros as punições.


No âmbito geral da conservação de Estado, independente de sua forma de trabalho, o Tratado da Política apresenta sugestões como: eliminar os problemas assim que surgem; evitar excesso de prosperidade dos súditos, mas não deixá-los na miséria, vista como a fonte de todas os males sem, entretanto, esquecer que muitas honrarias corrompem; prestar contas dos gastos públicos com regularidade; evitar que heranças sejam remetidas para o estrangeiro; cultivam uma imagem do governo que inspire afeto e não aversão, e harmonizar a educação com a Constituição, o que significa fazer com que, numa oligarquia, por exemplo, o povo seja educado para nela viver, já que da sujeição à forma de governo depende a salvação do Estado.


Considerando como melhor forma de governo aquela que é administrada pelos melhores dirigentes, o livro também defende o princípio da Constituição com respaldo popular, a qual se ajustam as lei. Para tanto é essencial conhecem as várias espécies de governo para, com elas, harmonizar a Legislação. Dentro desta filosofia, Aristóteles apresenta críticas às várias formas de governo e tece considerações curiosas. Um exemplo desta afirmação é a correlação entre o regime de governo e o povo que melhor a ele se adapta: a monarquia serve perfeitamente àqueles que já nasceram sob o jugo de uma família reconhecia como governante; a aristocracia á perfeita para quem se predispõe a sustentar que seus caminhos sejam conduzidos pelos chamados iluminados; a República é o sistema ideal para os homens naturalmente belicosos que tanto mandam quanto obedecem. Além disso, para ele, agricultores e pastores têm predisposições natural para a democracia pois são muito trabalhadores e sem agressividade dada a natureza de suas atividades, e a cavalaria é a mais poderosa oligarquia porque só os ricos tem cavalos. As curiosidades não param aí. Numa nítida comparação simbólica, o autor afirma que democracias gostam de planícies, aristocracia de fortalezas, enquanto oligarquias e monarquias de cidades altas e cidadelas.


A dinâmica social fica evidenciada quando da abordagem da origem das Revoluções no Estado. Neste momento, a democracia é considerada forma mais estável do que a oligarquia, pois seu governo provém de classe média, o que amortece as desigualdades, principais causas de revoluções.


Anule a classe média, estabeleça superioridade em demasia, tenha receio de ver seus crimes descobertos e o regime de governo começa a se deteriorar, seja ele qual for. Em outros patamares, ódio e desprezo derrubam sistemas, em especial os tirânicos. De todos, a democracia é o mais seguro, porque o grande número de pessoas no governo torna-o mais forte e fica mais fácil de contentar os vários segmentos, embora um erro dos demagogos seja o de tornar a multidão senhora das leis que serão boas e justas quando as formas de governo também o forem e, se houver um demagogo, é porque “há algo de podre no reino da Dinamarca”, parafraseando Shakespare.


Faltam virtude e honra, os estreios da sociedade civil, ausentes de duas formas de governo consideradas antinaturais: a oligarquia imoderada e a democracia extrema. Como se percebe, são duas situações em que o meio termo é abandonado, um perigo para governantes e legisladores que devem estar sempre atentos às camadas médias, voltando suas decisões e leis à pluralidade dos cidadãos, objetivando proporcionar-lhes uma vida feliz, definida e pelo filósofo estudado como constituída no livre exercício da virtude, esta, por sua vez, encontrada no meio termo.

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