segunda-feira, 19 de julho de 2010

O Estado tudo pode? O Leviatã estudado segundo a ótica do interesse-próprio



Por Wilson Tavares Bastos


É interessante notar como nos meios acadêmicos que, no estudo da obra de Thomas Hobbes, da máxima do “Estado tudo pode” é tão difundida. Para tais, o Estado encontra limites apenas no próprio Estado. O cidadão que, despido de seu estado de liberdade, confere direitos ao Estado para que, limitando essa liberdade, acabe por resultar no fim da guerra de todos contra todos. Claro, tal idéia é reflexo do contexto histórico posterior à edição do “Leviatã”, qual seja, o absolutismo. Até mesmo o próprio Hobbes defendeu a existência de um Estado absoluto, mas esse absolutismo não pode ser aqui entendido, terminologicamente, como poder ilimitado do Estado (já que até mesmo o próprio Hobbes reconheceu a existência do direito natural e pôs o estado como um “deus mortal”, abaixo do Deus Imortal).

Tal visão – até mesmo sob o contexto histórico do absolutismo – é, a meu ver, equivocada. Mesmo que o indivíduo prefira privar de sua liberdade em prol do bem comum, esta privação não é completa, já que a privação da liberdade em favor do Soberano tem como valor principal a proteção do interesse-próprio. O Soberano, embora concentre a esmagadora parcela do poder, possui o dever de usar esse mesmo dever a fim de garantir o mínimo para manter um mínimo de liberdade individual.


Para Hobbes, o homem é definido em seu estado Natural como egoísta, egocêntrico e inseguro. Ele não conhece leis e não tem conceito de justiça, ele somente segue suas paixões e desejos misturados com sugestões de sua razão natural. Onde não existe lei ou governo, os homens naturalmente caem na discórdia. Desde que os recursos são limitados, ali haverá competição, que leva ao medo,à inveja e a disputa. Com a desconfiança, perde-se a segurança de confiar no próximo e na busca pela gloria, derruba-se os outros pelas costas, já que para Hobbes, os homens são iguais nas capacidades e na expectativa de êxito, nenhuma pessoa ou grupo pode, com segurança reter o poder. Assim, o conflito acontece sempre e “cada homem é inimigo de outro homem”.

Embora eu não concorde com a adoção dessa teoria como padrão de vida, é uma visão preconcebida do estado de egoísmo do Homem, visão esta usada por Hobbes (O homem como o lobo do próprio homem) para justificar o estado de natureza.

Mas o que vem a ser a teoria do Interesse-próprio?

Tal teoria moral foi criada quando os moralistas discutiam se a pessoa deveria sacrificar sua vida por Deus ou por outros homens. Seu criador foi Ayn Rand, para quem o propósito da moralidade não é ensinar a pessoa a sofrer pelos outros e morrer, mas, sim, ter prazer e viver.[1]

Ainda, segundo o estudioso da moral do interesse-próprio, "enquanto os homens desejarem viver juntos, nenhum homem pode iniciar [...] o uso da força física contra os outros." Se houver agressores, segue-se que o interesse próprio esclarecido dos indivíduos pode justificavelmente levá-los a ficar juntos em mútua auto-defesa. Semelhante acordo mútuo não é um dever moral mas, sim, uma escolha voluntária; feita, não para ajudar aos outros, mas, sim, para proteger seu próprio auto-interesse. Logo, "o único propósito apropriado de um governo é proteger os direitos do homem, o que significa: protegê-lo da violência física. Um governo apropriado é apenas um policial, agindo como agente da auto-defesa do homem...[2]

Assim, constata-se que tal teoria pode ser perfeitamente aplicada no momento em que o cidadão priva-se de sua liberdade em favor do Estado, já que o faz para que seu interesse-próprio à segurança seja preservado. Claro, não devemos nos esquecer que o próprio Thomas Hobbes ao escrever seu livro deixou bem claro que, sem esse acordo mútuo, o homem viveria em constante guerra com o seu próximo, e, por ter a maldade ínsita ao seu ser, apenas poderia ser movido pelo amor próprio para privar parcela da própria liberdade (afinal, se o amor ao próximo – ou a Deus – prevalecesse, não seria necessário o estado de constante guerra de todos contra todos)

Ainda, sob o prisma do interesse-próprio, deve-se ter interesse apenas no que tem valor. Disso, pergunta-se: que interesse haveria se o Estado retirasse a liberdade do indivíduo em prol do bem comum se, em contrapartida não cumprisse sua parte no acordo e não concedesse esse bem comum, que, na realidade seria a segurança individual?

Assim, o Soberano não é, no plano filosófico, ilimitado já que encontra limitações no próprio sentido da abnegação do indivíduo de sua liberdade ao estado em favor de um bem comum, o que nada mais é do que um espelho de seu interesse próprio.


[1] Ayn Rand, For the New Intellectual, New American Library, 1961, págs, 120, 123.

[2] Ayn Rand, For the New Intellectual, New American Library, 1961, págs, 134, 183.

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