por Wilson Tavares Bastos e Rosangela Tremel
1 – Considerações Iniciais
Com o advento do da Lei nº. 10.444/2002 foi acrescentado ao artigo 273 do Código de Processo Civil o parágrafo 7º, que abre possibilidade ao juiz em conceder, liminarmente, a medida cautelar em caráter incidental quando o autor tenha pedido a antecipação de tutela ou, conceder a antecipação de tutela quando a natureza do pedido é cautelar, vindo a quebrar a rígida aplicação formalista por parte de alguns juízes e desembargadores que não aceitavam essa alteração por ausência de previsão legal.
A pergunta cabível é: pode o juiz, no momento do saneamento do feito ou por ocasião da sentença, efetuar essa fungibilidade mesmo após ter concedido liminarmente a cautelar em caráter incidental e esta tenha caráter satisfativo ou ocorre a preclusão?
2 – Processo Cautelar
Há uma acessoriedade entre o processo cautelar e o processo principal, porquanto a característica do primeiro é natureza conservativa de seus provimentos, os quais têm como objetivo específico preservar os bens em jogo no processo principal do risco de dano que, uma vez consumado, comprometeria seriamente a função satisfativa para que este foi programado. O processo principal (satisfativo) pode, naturalmente, existir sem o concurso dos provimentos cautelares. No entanto, ao teor do artigo 796 do Código de Processo Civil , o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal, mas é deste sempre dependente.
Melhor conceito acerca dos efeitos das medidas cautelares traz Humberto Theodoro Junior, para quem “As medidas cautelares, porém, são geradas por atos decisórios semelhantes àqueles com que o juiz soluciona o litígio no processo de conhecimento. As decisões do processo cautelar, tal como as satisfativas, para alcançar seu objetivo prático, têm de se traduzir em providências concretas, no plano fático. Em outras palavras: a decisão cautelar reclama execução forçada”.
E prossegue o Insigne processualista: “mais do que em qualquer outro processo, as decisões judiciais, no campo cautelar, correspondem a verdadeiras injunções, que tendem a impor prestações imediatas aos sujeitos processuais, tanto positivas (fazer ou dar alguma coisa) como negativas (não fazer ou abster-se de impedir que a outra parte faça o que lhe permitiu a decisão cautelar)” .
3 – Cautelares Satisfativas
Não se pode negar pela impossibilidade em se admitir o caráter de satisfatividade às medidas cautelares. Logo, elas deverão tão somente assegurar a pretensão substancial do autor, sem, contudo, satisfazer-lhe a pretensão.
Esse é o posicionamento de Humberto Theodoro Junior, para quem “As medidas urgentes de natureza satisfativa regem-se pelo instituto da antecipação de tutela (arts. 273 e 461)” .
Esse também é o posicionamento de Nelson Nery Junior, para quem é mais apropriado denominar as cautelares satisfativas de medidas urgentes que, tendo em vista a situação fática ensejam o pedido de liminar ou pedido que se processe pelo rito ordinário.
Nessas hipóteses se torna desnecessária a propositura de posterior ação principal, haja vista que a sua concessão adianta à própria utilidade que a parte autora perseguiria em uma ação principal, ensejando o seu exaurimento em si mesma.
4 – A conversão da cautelar satisfativa concedida para ação ordinária
O processo, instrumento pelo qual o Estado presta sua tutela jurisdicional, quando chamado a intervir, não é um fim em si mesmo, possuindo, outrossim, um objeto que se constitui, nas palavras do ex - Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira em “fazer atuar a lei, o direito objetivo, compondo a lide com justiça” e, no mesmo sentido, complementa Dinamarco, só deve estar apto a “cumprir integralmente toda sua função sócio-político-jurídica, atingido em toda a plenitude todos os escopos institucionais”
Diante disso, chega-se à ilação de que como corolário de um Estado Democrático de Direito, que preza, antes de tudo pela Justiça Material, o processo é, também, um instrumento posto à disposição do jurisdicionado e que deve ter por finalidade o cumprimento de uma função social.
Desta forma, não nos parece absurdo, maxima permissa venia, dizer que seria perfeitamente possível, nos casos em que fosse constatado que uma cautelar ajuizada possuísse natureza satisfativa, que esta fosse convertida pelo magistrado, após a concessão da liminar em uma ação ordinária de natureza cognitiva no momento do saneamento do feito ou mesmo no momento da sentença.
O ajuizamento de uma medida cautelar, no entanto, se mostra, às vezes, como o procedimento mais eficaz à parte postulante do ajuizamento de uma ação ordinária cumulada com pedido de antecipação de tutela, haja vista a grande probabilidade de ser necessário ingressar com uma ação principal ou posterior, como é o caso, por exemplo, de um paciente que necessita de internação urgente e, após ficar constatado que esse mesmo paciente precisa fazer uso de medicamentos caros, acima do seu poder aquisitivo. Lado outro, o julgador, ao se deparar com um pedido cautelar de extrema urgência em que estão presentes os requisitos ensejadores de sua concessão, muito dificilmente indeferirá a liminar baseado na satisfatividade da pretensão.
Apenas por ocasião do julgamento final em primeira instância ou em grau recursal é que o julgador analisa a satisfatividade do pedido liminar, extinguindo o processo sem resolução do mérito.
A extinção do processo sem resolução do mérito não nos parece, todavia, a melhor opção. Conforme já foi dito alhures, o fim primordial do processo é cumprir sua função social.
Essa medida extrema não é, a nosso ver, a melhor solução. Tal extinção seria lacunosa à prestação jurisdicional, além de haver o sério risco de que a satisfatividade da tutela pretendida seja apenas temporária, o que acarretaria a necessidade do ajuizamento de outra ação, seja ela cautelar, ordinária ou mandado de segurança, abarrotando, cada vez mais o Judiciário de processos, o que demanda tempo e dinheiro público.
Desta forma, esposa-se o entendimento de que a fungibilidade de procedimentos seria a melhor alternativa, seja para a busca de uma tutela jurisdicional plena, seja em respeito aos princípios da economia e celeridade processuais. Essa fungibilidade teria como premissa constatar a inviabilidade do prosseguimento da ação cautelar em virtude de sua satisfatividade e, via de conseqüência a sua conversão para o procedimento ordinário, convertendo, também a liminar concedida em antecipação de tutela, nos termos do § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil.
Assim, haveria oportunidade de proporcionar ao jurisdicionado uma prestação plena, com a resolução do mérito, ocasionando o julgamento definitivo e a coisa julgada material, bem como aferir se houve má-fé por parte do postulante, que responderia pelas perdas e danos. Ademais, diante do princípio jura novit curia, mister se faz que a parte proceda à narrativa dos fatos e referencie os fundamentos, cumprindo ao Julgador a aplicação do Direito ao caso. Também o princípio da instrumentalidade do processo determina que se receba e processe adequadamente a petição inaugural, independentemente do nome atribuído à ação. Interessa que o pedido possa ser examinado, do modo como foi formulado.
Ademais, com tal conversão estaria preservado o devido processo legal e seus consectários do direito ao contraditório e ampla defesa, antes de ser o litigante privado de qualquer bem jurídico (CF/88, art. 5º, incs. LIV e LV).
De fato, a conversão procedimental aqui defendida, ao contrário da fungibilidade existente no § 7º do artigo 273 do CPC não possui previsão legal. Tratar-se ia, portanto de uma inovação? Sim. Mas negar atenção e deixar de analisar uma inovação ou uma tese defendida unicamente pelo fato de não haver previsão legal seria tolher a evolução do direito. A ausência de previsão legal também não pode ser óbice para a devida aplicação pelo julgador quando a solução extralegal seria a melhor alternativa ainda que desprovida de qualquer imposição ou regulamentação normativa.
Usa-se aqui os ensinamentos de Humberto Theodoro Junior, para quem "...seu dever (do juiz) sempre será o de processar os pedidos de tutela de urgência e afastar as situações perigosas incompatíveis com a garantia de acesso à justiça e de efetividade da prestação jurisdicional seja qual for o rótulo e o caminho processual eleito pela parte. O que lhe cabe é verificar se há um risco de dano grave e de difícil reparação. Havendo tal perigo, não importa se o caso é de tutela cautelar ou de tutela antecipada: o afastamento da situação comprometedora da eficácia da prestação jurisdicional terá de acontecer."
Também não se pode dizer que a alteração seria extra petita ou configurasse negativa de vigência ao artigo 796 e ao inciso III do artigo 801, ambos do Código de Processo Civil. Em primeiro lugar a conversão processual não alterará o direito material pretendido, pois o provimento, exceto no que tange à questão terminológica será o mesmo, fundado no pedido e nas causas de pedir, próxima e remota. Em segundo lugar, em havendo a fungibilidade o procedimento cautelar deixará de existir, dando lugar ao procedimento ordinário, disposto no Título VIII do Livro I do CPC.
5 - Considerações Finais
Não resta dúvidas de que, no momento em que o julgador estiver analisando os pressupostos para a concessão de uma medida de urgência, poderá exercer a fungibilidade dos procedimentos, tornando uma medida cautelar em antecipação de tutela ou vice-versa, pois que autorizado pelo §7º do artigo 273 do Código de Processo Civil. Torna-se, necessário, portanto saber se é dada essa possibilidade ao juiz após a concessão da liminar satisfativa em despacho saneador ou mesmo na sentença, para que não haja risco de uma extinção sem resolução do mérito e um posterior ajuizamento da mesma ação, com as mesmas partes, causa de pedir e pedido, alterando-se apenas a nomenclatura da ação.
Ademais, será desnecessário ao juiz dar oportunidade ao requerente para que adapte o seu pedido haja vista que, concedida a antecipação de tutela em fungibilidade à cautelar, estará demonstrada a presença dos requisitos legais para a sua concessão. Tal oportunidade só poderá ser aberta no momento anterior ao despacho que conceda ou não a tutela antecipada, ocasião em que o pedido cautelar poderá ser adaptado ao pedido de tutela antecipada.
Chega-se à conclusão, portanto, de que a fungibilidade processual não é de ser descartada em virtude das vantagens acima expostas. O Direito deve seguir os anseios da sociedade; deve ser dinâmico a ponto de evoluir, mesmo que, para isso dobrem-se pré-conceitos que fomentam a burocracia e a morosidade da prestação jurisdicional. Não há mais lugar para formalismos exacerbados que pouco contribuem para que a justiça seja devidamente aplicada.
Estimada Prof. Rosângela...
ResponderExcluirMeu comentário nada tem haver com a reportagem mas gostaria de lhe deixar um recado.
Estamos muito felizes por nosso novo semestre ter iniciado porém começa mais vazio pela falta da sua aula... Lhe desejamos muito sucesso... Abraços
Andrea Medina e turma...
Querida, fiquei emocionada com palavras tão carinhosas. Beijo pra vc e pra minha turma do coração. Muito obrigada pelo carinho. Rosangela
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