terça-feira, 6 de março de 2012

Danos morais a ex-presidente Collor


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou a Editora Abril ao pagamento de R$ 500 mil por danos morais ao senador e ex-presidente Fernando Collor. O motivo foi um artigo que ofendia o ex-presidente, veiculado numa das revistas de maior circulação do país, a Veja. Além da editora, foram condenados Roberto Civita, presidente do conselho de administração e diretor editorial, e André Petry, autor do artigo em que o ex-presidente foi tachado de “corrupto desvairado”.

O artigo de opinião intitulado “O Estado Policial”, publicado na edição impressa de março de 2006, bem como na internet, comparava atitudes dos governos Collor e Lula – no primeiro, diante das denúncias feitas pelo motorista Eriberto França; no segundo, em relação às denúncias do caseiro Francenildo Costa. Durante as comparações, o articulista falou sobre as “traficâncias” de Collor e o chamou de “corrupto desvairado”.

Collor ajuizou ação de indenização por danos morais alegando que havia sido atingido por “uma série de calúnias, injúrias e difamações”. A sentença julgou o pedido improcedente, entendendo que o objetivo do jornalista não era atingir a honra do ex-presidente, e sim criticar o modo como as denúncias do caseiro foram abafadas, o que não aconteceu com o motorista.

Além disso, o juiz destacou que Collor foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) apenas por questões processuais e sem apreciação dos fatos, e que “o episódio histórico que envolveu o fim do seu mandato [como presidente] ainda está marcado na mente das pessoas”. O entendimento do juízo de primeiro grau foi de que, confrontados os valores constitucionais do direito à imagem e da liberdade de imprensa, deve prevalecer a liberdade de imprensa.

Porém, na apelação, a sentença foi reformada. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu que a simples publicação da expressão “corrupto desvairado” configura dano moral, mesmo porque o ex-presidente foi absolvido das acusações. Quanto ao confronto dos dois valores constitucionais, o tribunal estadual decidiu que deveria prevalecer o direito à honra, pois estaria claro “o propósito ofensivo da matéria”. Seguindo essa opinião, o TJRJ fixou a indenização em R$ 60 mil.

Os recursos

Tanto o ex-presidente quando a editora recorreram ao STJ. Para Collor, a indenização foi fixada com “excessiva parcimônia”. Para ele, o tribunal estadual não levou em consideração a qualificação das partes envolvidas, a repercussão do dano causado e o lucro da editora com a publicação do artigo.

A Editora Abril, por sua vez, queixou-se de que o TJRJ não havia se manifestado sobre a liberdade de expressão, nem sobre a licitude da divulgação de informação inspirada pelo interesse público (Lei de Imprensa). Para a editora, o artigo não traz mentiras ou fatos passíveis de indenização. A Abril ainda argumentou que Collor deveria “ter vergonha de ter sido protagonista das maiores acusações feitas contra um presidente da República, e não da divulgação desse mesmo fato pela imprensa, que apenas exerceu o seu dever constitucional de informação”.

Lei de Imprensa

O ministro Sidnei Beneti, relator de ambos os recursos, destacou que, como a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal (julgamento do STF), o recurso da editora ficou privado desse fundamento. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que, por conta da posição do STF, não se pode alegar violação aos dispositivos da Lei de Imprensa em recurso especial.

No memorial fornecido pela editora ao relator, entretanto, a Lei de Imprensa não foi mais citada. A Abril sustentou que houve violação aos artigos 186 e 188, inciso I, do Código Civil. Segundo o ministro, foi apenas no memorial que a editora sustentou expressamente a violação dos referidos artigos, e tal referência não pode suprir a omissão de invocação no recurso especial, pois o memorial não é levado ao conhecimento da parte contrária, e, portanto, o contraditório constitucional estaria infringido se o memorial fosse considerado para suprir o que não foi alegado no recurso.

Porém, novamente sobre o não acolhimento constitucional da Lei de Imprensa, a jurisprudência do STJ entende que, nos julgamentos provindos dos tempos dessa lei, devem ser examinados os argumentos de fundo, ensejados pelo recurso.

O ministro Sidnei Beneti destacou que a análise do recurso especial não seria reexame de prova, mas apenas exame valorativo com base em fato certo – no caso, o artigo escrito e publicado – para verificar se este possuiria, ou não, caráter ofensivo.

Ofensa à honra

No entendimento da Terceira Turma do STJ, o termo usado pela revista – “corrupto desvairado” – é, sim, ofensivo. O ministro relator lembrou que o termo ofensivo ainda foi destacado pela revista, pois aparece no “olho” – recurso de diagramação que realça uma parte do texto considerada marcante – da edição impressa e digital. É justamente essa parte de destaque que chama mais a atenção do leitor, mesmo aquele que não lê o artigo em seu conteúdo integral, ou apenas folheia a revista.

Segundo Beneti, o termo usado não é pura crítica; é também injurioso. Por esse motivo é impossível concordar com qualquer motivo alegado pela editora, como o interesse público à informação. A injúria, de acordo com o ministro, é a conduta mais objetiva e inescusável das três modalidades de ofensa à honra – injúria, calúnia e difamação – e, por esse motivo, não admite exceção de verdade. Na injúria, não há atribuição de fato, mas de qualidade negativa do sujeito passivo.

Portanto, ainda que o ex-presidente Collor tenha sido absolvido apenas por questões processuais, e não por afastamento da acusação de corrupção, e que tenha sofrido impeachment, a ofensa não deixa de existir – e é injúria.

Quanto ao valor da reparação, a Turma entendeu que o desestímulo à injúria deveria ser enfatizado, pois a expressão “corrupto desvairado” poderia ter sido evitada. Além disso, o desestímulo ao escrito injurioso em veículo de comunicação com uma das maiores circulações do país autoriza a fixação de indenização mais elevada.

O ministro Beneti e o ministro Paulo de Tarso Sanseverino se posicionaram no sentido de aumentar o valor para R$ 150 mil. No entanto, os ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Villas Bôas Cueva votaram para fixar a indenização em R$ 500 mil.


stj.jus.br

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