sábado, 28 de março de 2009

Gerenciamento costeiro: a urgência da Santa e bela Catarina


Por Rosângela Tremel, advogada, jornalista, administradora de empresas, professora de Direito Público em grau de Mestre para graduação e pós graduação, Especialista em Advocacia e Dogmática Jurídica em Marketing e em Ciências Sociais, co-autora do livro Lei de Responsabilidade Fiscal, publicado pela Editora Atlas, colaboradora de periódicos nacionais especializados.
Ilter José Godoi de Castilhos, técnico em agropecuário, bacharel em Ciências Econômicas, bacharelando em Direito.

Dinâmica expressão derivada do inglês management, o gerenciamento costeiro nacional vem sendo pensado desde 1982, quando foi criada a Subcomissão Internacional para recursos do mar, responsável pela Lei n. 7.661/88 que instituiu o Plano Nacional. Pensada, porém carente de ação. O objetivo do diploma legal é dar garantia de proteção à costa brasileira, entendida como a soma dos territórios dos municípios litorâneos e adjacentes, acrescida de faixa marinha. Nesta área concentra-se grande parte da população brasileira em ocupações freqüentemente feitas de forma desordenada, com comprometimento da qualidade estética e ambiental, bem como transmuta-se em cenário de seguidos conflitos de mau uso de recursos naturais. Esses fatos requerem adequada normatização, além de focada e imediata ação, como resultado da soma de esforços do Estado e da Sociedade para definir a forma de ocupação do solo nas regiões costeiras, posto ser esta premissa para a qualidade de vida das populações que aí habitam, bem como para atividade turística auto-sustentável, preocupação constante do Estado de Santa Catarina.
O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro consiste em compromisso balizado pelo princípio da observância da Política Nacional de Meio Ambiente e da Política Nacional para os Recursos do Mar, de forma articulada e compatibilizada com as demais políticas incidentes na sua área de abrangência. Trata-se de marco histórico no que se refere á necessidade de normatizar a utilização racional e sustentável dos recursos naturais da costa marítima brasileira, que, em 1987, nos termos do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro (GERCO), deflagrou ação piloto em seis Estados: Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Há 20 anos o diploma legal aguarda aplicação prática.
O presente artigo comenta a urgência da necessidade de efetivo Gerenciamento Costeiro em Santa Catarina, estado de vocação turística centrada no mar, bem como realça a importância da ação local como fórmula para tornar eficiente, eficaz e efetiva esta forma de preservação ambiental voltada para área nobre deste país tropical, através da alocação de recursos financeiros aos Estados e Municípios para gestão/execução de seus projetos, posto que conhecem em minúcias seus problemas ambientais.
No Estado de Santa Catarina, destacam-se duas Leis que têm o condão proteger a Zona Costeira catarinense: a Lei n. 5.793/80, regulamentada pelo Decreto n. 14.250/81 que protege os ecossistemas costeiros e o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, previsto a Lei n. 13.553/05, regulamentada pelo Decreto n. 5.010/06, definindo objetivos, princípios gerais, instrumentos de trabalho e limitações ao uso da zona costeira estadual. O primeiro diploma legal, datado do século passado, instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e a Política Ambiental de Santa Catarina, deflagrando o planejamento e a definição da gestão da Zona Costeira do Estado. O segundo dispositivo, veio legitimar o processo de gestão estadual, cuja essência está definida no seu art 2º: “orientar a utilização racional dos recursos da Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população e a proteção de seu patrimônio natural histórico, étnico e cultural”.
De acordo com o referido decreto, a Zona Costeira do Estado de Santa Catarina é o espaço geográfico constituído pelo conjunto territorial de 36 municípios, que confrontam com o mar ou com as grandes lagoas costeiras. Este território subdividi-se em cinco setores, com características bem definidas: I - Setor 1 - Litoral Norte: Araquari, Balneário Barra do Sul, Garuva, Itapoá, Joinville, São Francisco do Sul e Barra Velha;II - Setor 2 - Litoral Centro-Norte: Balneário Camboriú, Bombinhas, Camboriú, Itajaí, Itapema, Navegantes, Piçarras, Penha e Porto Belo;III - Setor 3 - Litoral Central: Biguaçu, Florianópolis, Governador Celso Ramos, Palhoça, São José e Tijucas; IV - Setor 4 - Litoral Centro-Sul: Garopaba, Imaruí, Imbituba, Jaguaruna, Laguna e Paulo Lopes; V - Setor 5 - Litoral Sul: Araranguá, Balneário Arroio do Silva, Balneário Gaivota, Içara, Passo de Torres, Santa Rosa do Sul, São João do Sul e Sombrio.
O Litoral Norte do Estado de Santa Catarina é caracterizado pela presença de uma grande baía, a Baía da Babitonga ou de São Francisco. Este trecho acolhe o pólo industrial do Estado, situado nos Municípios de Jaraguá do Sul e Joinvile com o Porto de São Francisco do Sul interligado à Rede Ferroviária Federal, atividades que sobrecarregam o meio ambiente, rico em manguezais, com detritos.
O litoral centro-norte contém a maior bacia hidrográfica da vertente atlântica, composta pelo Rio Itajaí, que nasce na Serra Geral e vem desaguar no Atlântico. Este Setor Costeiro tem os municípios com maiores índices de densidade demográfica do Estado segundo o IBGE (2006), como, por exemplo, Itajaí e Balneário Camboriu, com consolidada atividade industrial e turística, além dos portos de Itajaí e de Navegantes. Da preocupação com a integridade do Setor Centro-Norte é que se materializou o Plano de Gestão, bem antes da Lei que criou o Plano de Gerenciamento Costeiro Estadual. Consta das publicações do Governo do Estado a realização de levantamentos, junto às prefeituras localizadas no Litoral Centro-Norte para diagnosticar os principais problemas deste trecho do litoral catarinense.
É na região central catarinense que se localiza a maior ilha do Estado, chamada de Ilha de Santa Catarina, integrante da Capital, que é Florianópolis, local alvo de especulação imobiliária, que não comumente desrespeita dunas, mangues e restingas.
No Litoral Centro Sul situa-se o maior complexo lagunar do Estado de Santa Catarina. O Farol de Santa Marta, no município de Laguna, é marco geográfico delimitador da linha de costa no litoral catarinense e, também, o limite austral de espécies de mangue no litoral brasileiro.
Na zona costeira do setor sul catarinense, a paisagem é formada por uma grande planície cortada por rios, com presença de lagoas costeiras paralelas à linha de costa. Mas a preocupação catarinense com este quadrante se refere, em especial, aos poluentes rejeitos do carvão que comprometem o complexo hidrográfico, auxiliados pela orizicultura e pelos despejos de esgotos domésticos.
Com este rápido desenho do perfil catarinense, reforça-se a importância estratégica da zona costeira no Estado de Santa Catarina, suas peculiaridades e a imprescindibilidade do imediato desenvolvimento de programas de Gerenciamento em conformidade com a aptidão natural de cada região, sob os pontos de vista social, econômico, histórico, cultural e ecológico, tirando do campo das idéias os seguintes instrumentos de gestão: o Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro (ZEEC); o Plano de Gestão da Zona Costeira (PGZC); o Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro (SIGERCO); o Sistema de Monitoramento Ambiental (SMA/ZC); Relatório de Qualidade Ambiental (RQA/ZC); Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima (Projeto Orla).
O Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro é o balizador do processo de ordenamento territorial, necessário para chegar ao desenvolvimento sustentável da zona costeira, Trata-se do imperioso e urgente primeiro passo rumo ao preconizado “gerenciamento”, pois dele decorre o Plano de Gestão, conjunto de projetos setoriais integrados e compatibilizados com as diretrizes estabelecidas no zoneamento ecológico-econômico.
O Sistema de Informações de Gerenciamento Costeiro de Santa Catarina (SIGERCO/SC), nos termos do art. 14 do Dec. 5.010/06, deve para apoiar as atividades no que concerne ao tratamento digital de imagens de satélites, geoprocessamento e banco de dados georeferenciados •, sistematizando dados, tranformando-os em informações para alimentar o Sistema de Monitoramento Ambiental da Zona Costeira que, num futuro indefinido ainda, abrangerá as formas de monitoramento já executadas por instituições públicas estaduais. Também lhe competirá (olha o futuro aí) a criação de programas específicos contínuos de coleta e acompanhamento de parâmetros devendo estruturar-se conforme as seguintes linhas de atuação: I) Qualidade de água; II) Uso do Solo e do Mar; III) Linha de Costa – acompanhamento de forma a permitir avaliação eventos de alta energia, como ciclones extratropicais (bastante comuns no Estado), furacões, intensificação do anticiclones e ressacas. IV) Monitoramento Específico de Atividades em ações pontuais e localizadas demandadas de ações judiciais, termos de ajuste de conduta, projetos e programas que possuam interface direta com os objetivos do Gerenciamento Costeiro, a serem definidas no Plano de Gestão da Zona Costeira.
O Relatório de Qualidade Ambiental, quando colocado em prática, terá periodicidade anual (art 18 do decreto em comento) e sua principal função será avaliar a eficiência das medidas e ações desenvolvidas em prol da zona costeira tanto da Faixa Marítima , quanto da Faixa Terrestre ( esta formada pelos municípios que sofrem influência dos fenômenos ocorrentes na Zona Costeira, isto é, os defrontantes com o mar; os não defrontantes com o mar que se localizam nas regiões metropolitanas litorâneas; os contíguos às grandes cidades e às capitais estaduais litorâneas, que apresentem processo de conurbação; os próximos ao litoral, até 50 km da linha de costa, que aloquem, em seu território, atividades ou infra-estruturas de grande impacto ambiental sobre a Zona Costeira, ou ecossistemas costeiros de alta relevância; os estuarinos-lagunares, mesmo que não diretamente defrontantes com o mar, dada à relevância destes ambientes para a dinâmica marítimo-litorânea; e os que, mesmo não defrontantes com o mar, tenham todos os limites estabelecidos com os municípios já referidos. e deverá (ainda no futuro, lamentavelmente ) gerar subsídios para a adequação ao Plano de Gestão da Zona Costeira, fechando um ciclo gerencial, ou de mangement.
Neste contexto, há ainda o Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, ferramenta do planejamento estratégico, que visa à descentralização, repassando atribuições da Gestão de espaços, atualmente alocados no governo federal para a esfera municipal, primordialmente para racionalizar a ocupação da orla, definida como a “ a faixa contida na zona costeira, de largura variável, compreendendo uma porção marítima e outra terrestre, caracterizada pela interface entre a terra e o mar”.

Santa e bela Catarina, o gerenciamento costeiro na prática

Vinte anos após o primeiro passo desta jornada de preservação, em relação aos instrumentos de execução, constata-se que Santa Catarina tem parte de sua zona costeira detalhada no Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro (ZEEC), mas somente a região norte e centro-norte o tem finalizado. A região centro-sul desenvolve estudos para o zoneamento da atividade de carcinicultura, no entanto, todos os ZEEC carecem de marco legal que os torne efetivos. E a ausência destas ações se faz sentir já. Como resultado desta inércia, Santa Catarina que já foi o pioneiro na atividade de cultivo de camarões, com a realização de pesquisas no início da década de 70, servindo de exemplo para estados do Nordeste, entrou em declínio. Tudo ia bem até 2005, quando a produção catarinense sofreu uma queda acentuada tendo como principal causador o surgimento da enfermidade denominada Mancha Branca (vírus WSSV), a mesma que causou prejuízos semelhantes em outros paises produtores ao redor do mundo. Apesar do vários esforços realizados para combater e controlar a enfermidade, não existem, em curto prazo, perspectivas para retorno da produção aos patamares anteriores. Perde a Santa e Bela Catarina, ainda dominante no que se refere a ostras e mariscos. Mas sem o suporte de ações específicas, resta a pergunta: Por quanto tempo?
O sistema de monitoramento costeiro em Santa Catarina é pouco desenvolvido o que é lastimável, devido à importância estratégica desta área para o Estado e às peculiaridades regionais, o que implica na imprescindibilidade do desenvolvimento de programas de Gerenciamento de acordo com a aptidão natural de cada local, sob o ponto de vista social, econômico, histórico, cultural e ecológico. Entretanto , os parâmetros a serem monitorados não estão definidos e nem há pessoal ou infraestrutura adequada para sua realização, o que prejudica (para não dizer que impede) a elaboração dos relatórios nacionais de qualidade ambiental. Para divulgar e estimular as cidades a pensar e a implantar tais instrumentos de gestão e de mudanças, a Assembléia Legislativa criou, no ano passado, um Fórum Permanente de Gerenciamento Costeiro. Na pauta, promover audiências públicas para debater o tema. Pode até ser uma boa idéia, mas no momento há necessidade premente de ação. A primeira lei tem mais de duas décadas. É do século passado. Na teoria, os instrumentos de gerenciamento são bons. Se a real intenção é preservar o litoral do Estado, cujos atrativos estão no slogan institucional, antigo, mas por enquanto ainda verdadeiro, tudo depende de urgentes ações de gestão ambiental para que o mote se eternize: Santa e bela Catarina.

REFERÊNCIAS:
SANTA CATARINA. Decreto Estadual n. 5.010, de 22 de dezembro de 2006. Regulamenta a Lei n. 13.553, de 16 de novembro de 2005, que institui o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro e estabelece outras providências. Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2007c.


SILVEIRA et al. Desempenho da pesca e da aqüicultura. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário