quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A ótica do Anteprojeto do Novo Código Penal, ou, Abaixo o homem..salvem os animais!!!

Por Wilson Tavares Bastos


Como diria um amigo que mora em Conselheiro Lafaiete, “o bizarro não encontra barreiras”. De fato, não encontra limites nem barreiras, seja o bizarro, seja a ausência de noção e bom senso. Porém, antes de iniciar o assunto do pequeno artigo em comento, pertinente a leitura do poema de Carlos Drummond de Andrade


"Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade."
Drummond


Provavelmente é esta a lembrança que me veio à mente daqueles que fazem a leitura do Anteprojeto do Novo Código Penal, dado alguns de seus absurdos. Vivemos em um País cheio de Czares naturalistas; espantoso!

Para tanto, basta fazer a comparação ao Anteprojeto do Novo Código Penal, no sentido em que negar assistência a um animal é mais grave do que prestar assistência a uma pessoa.


Basta uma singela comparação aos artigos 132 e 394, ambos do novo Código Penal.

Omissão de socorro

Art. 132. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo, ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena – prisão, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal grave, em qualquer grau, e triplicada, se resulta a morte”.

Quanto aos animais:

Art. 394. Deixar de prestar assistência ou socorro, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, a qualquer animal que esteja em grave e iminente perigo, ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena – prisão, de um a quatro anos”.


Ou seja, se deixar de prestar auxílio a pessoa, a pena máxima – ignorando-se o fato de haver lesão corporal grave ou morte à pessoa – será inferior à pena mínima ao abandono de um animal.


Assim, a lógica pervertida do Código Penal é: entre uma pessoa e um cachorro, salve o cachorro, pois este tem valor intrínseco (e extrínseco) maior, a despeito da Constituição impor a dignidade humana como princípio fundamental.

Desnecessário ressaltar que, caso entre em vigor, a pena aplicada será inconstitucional, dada a desproporcionalidade da conduta e o valor do bem jurídico afetado e penalmente tutelado (não que um animal não possua valor, mas entenda-se, não pode ser superior à vida humana)

Além disso, o preceito secundário fere mortalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, posto que a relega à inferioridade diante dos animais.

Assim, o preceito secundário – a sanção penal – do artigo 394  também é desproporcional, até mesmo como conseqüência dos bens jurídicos a serem protegidos.

Ressalte-se, no entanto, que a jurisprudência já teve a oportunidade de negar a aplicação de mesma pena aos crime de roubo (mais grave) e furto, conforme se colaciona ementa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:


FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO
Agride aos princípios da proporcionalidade e da isonomia o aumento maior da pena ao furto em concurso do que ao roubo em igual condição. Aplica-se o percentual de aumento deste a aquele. Atenuante pode deixar a pena aquém do mínimo abstrato. Deram parcial provimento aos apelos. (TJRS – ACr. 70.000.284.455 – 5ª C.Crim. – Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho – J. 09.02.2000)”[1].


Obviamente, de acordo com o ementário acima transcrito, trata-se de crimes contra o patrimônio, e não um dualismo crime contra a pessoa x crime contra os animais, o que pode servir de pretexto para a não aplicação da razoabilidade invocada na jurisprudência supra, o que não deixa de ser mais um absurdo.

Mas para quem já impôs uma pena maior à omissão de socorro de um animal em detrimento de uma pessoa, não podemos duvidar de nada!!


Assim sendo, esperamos que essa cena esdrúxula do Código Penal não persista. Caso contrário, se você não dá valor à vida humana nem à sua dignidade e, mesmo assim não quer ser apenado com severidade, salve o cachorro!



[1] STRECK, Lênio Luiz. “DIREITO PENAL E CONSTITUIÇÃO: UM ACÓRDÃO GARANTISTA”. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal – Nº 2 – Jun-Jul/2000 – JURISPRUDÊNCIA COMENTADA. P. 59.

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