Por Wilson Tavares Bastos
Como diria um amigo que mora em
Conselheiro Lafaiete, “o bizarro não encontra barreiras”. De fato, não encontra
limites nem barreiras, seja o bizarro, seja a ausência de noção e bom senso.
Porém, antes de iniciar o assunto do pequeno artigo em comento, pertinente a
leitura do poema de Carlos Drummond de Andrade
"Era uma vez um czar
naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também
caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade."
Drummond
Provavelmente é esta a lembrança
que me veio à mente daqueles que fazem a leitura do Anteprojeto do Novo Código
Penal, dado alguns de seus absurdos. Vivemos em um País cheio de Czares naturalistas; espantoso!
Para tanto, basta fazer a
comparação ao Anteprojeto do Novo Código Penal, no sentido em que negar
assistência a um animal é mais grave do que prestar assistência a uma pessoa.
Basta uma singela comparação aos
artigos 132 e 394, ambos do novo Código Penal.
Omissão de socorro
Art. 132.
Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo
ou em grave e iminente perigo, ou não pedir, nesses casos, o socorro da
autoridade pública:
Pena – prisão, de um a seis meses, ou
multa.
Parágrafo
único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal
grave, em qualquer grau, e triplicada, se resulta a morte”.
Quanto aos animais:
Art. 394.
Deixar de prestar assistência ou socorro, quando possível fazê-lo, sem risco
pessoal, a qualquer animal que esteja em grave e iminente perigo, ou não pedir,
nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena – prisão, de um a quatro anos”.
Ou seja, se
deixar de prestar auxílio a pessoa, a pena máxima – ignorando-se o fato de
haver lesão corporal grave ou morte à pessoa – será inferior à pena mínima ao abandono de um animal.
Assim, a lógica pervertida do
Código Penal é: entre uma pessoa e um cachorro, salve o cachorro, pois este tem valor intrínseco (e extrínseco) maior, a despeito da Constituição impor a dignidade humana como princípio fundamental.
Desnecessário ressaltar que, caso
entre em vigor, a pena aplicada será inconstitucional, dada a desproporcionalidade
da conduta e o valor do bem jurídico afetado e penalmente tutelado (não que um
animal não possua valor, mas entenda-se, não pode ser superior à vida humana)
Além disso, o preceito secundário
fere mortalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, posto que a relega à
inferioridade diante dos animais.
Assim, o preceito secundário – a sanção
penal – do artigo 394 também é desproporcional, até mesmo como conseqüência dos bens jurídicos a serem protegidos.
Ressalte-se, no entanto, que a jurisprudência
já teve a oportunidade de negar a aplicação de mesma pena aos crime de roubo (mais
grave) e furto, conforme se colaciona ementa do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul:
FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO
Agride aos princípios da proporcionalidade e da
isonomia o aumento maior da pena ao furto em concurso do que ao roubo em igual
condição. Aplica-se o percentual de aumento deste a aquele. Atenuante pode
deixar a pena aquém do mínimo abstrato. Deram parcial provimento aos apelos.
(TJRS – ACr. 70.000.284.455 – 5ª C.Crim. – Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho –
J. 09.02.2000)”[1].
Obviamente, de acordo com o ementário acima transcrito, trata-se de crimes contra o patrimônio, e não um dualismo crime contra a pessoa x crime contra os animais, o que pode servir de pretexto para a não aplicação da razoabilidade invocada na jurisprudência supra, o que não deixa de ser mais um absurdo.
Mas para quem já impôs uma pena maior à omissão de socorro de um animal em detrimento de uma pessoa, não podemos duvidar de nada!!
Mas para quem já impôs uma pena maior à omissão de socorro de um animal em detrimento de uma pessoa, não podemos duvidar de nada!!
Assim sendo, esperamos que essa
cena esdrúxula do Código Penal não persista. Caso contrário, se você não dá
valor à vida humana nem à sua dignidade e, mesmo assim não quer ser apenado com
severidade, salve o cachorro!
[1]
STRECK, Lênio Luiz. “DIREITO PENAL E CONSTITUIÇÃO: UM ACÓRDÃO GARANTISTA”. Revista Síntese de Direito Penal e
Processual Penal – Nº 2 – Jun-Jul/2000 – JURISPRUDÊNCIA COMENTADA. P. 59.
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