A arguição de impenhorabilidade do bem de família é
válida mesmo que só ocorra no momento da apelação, pois, sendo matéria de ordem
pública, passível de ser conhecida pelo julgador a qualquer momento até a
arrematação, e se ainda não foi objeto de decisão no processo, não está sujeita
à preclusão.
Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento unânime, rejeitou recurso especial
interposto por um espólio contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro (TJRJ), que havia reconhecido um imóvel como bem de família e declarado
sua impenhorabilidade.
O espólio moveu execução contra o avalista de uma
nota promissória, afirmando tratar-se de dívida decorrente da fiança de aluguel,
e requereu a penhora de imóvel. O executado ajuizou embargos à execução, com a
alegação de que a penhora configuraria excesso de garantia, uma vez que o valor
do patrimônio seria superior ao da dívida. Apontou ainda que já teria havido
penhora da renda de outro devedor solidário.
Novo argumento
Os embargos foram rejeitados em primeira instância. Na apelação
contra essa decisão, o devedor acrescentou o argumento de que o imóvel seria
impenhorável, por constituir bem de família, invocando a proteção da Lei
8.009/90. O recurso foi provido pelo TJRJ, que reconheceu tratar-se de imóvel
residencial utilizado como moradia familiar, e afastou a penhora. O TJRJ
entendeu também que não havia sido comprovado pelo espólio que a dívida cobrada
era decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Não
satisfeito com a decisão do tribunal fluminense, o espólio entrou no STJ com
recurso especial, alegando que a questão da impenhorabilidade com base na Lei
8.009 estaria preclusa, por não ter sido levantada no momento oportuno, ainda
nos embargos apresentados em primeira instância, mas apenas na apelação.
Sustentou também que a proteção dada pela Lei 8.009 ao bem de família
deveria ser afastada no caso, pois o artigo 3º da lei admite a penhora quando se
tratar de dívida oriunda de fiança prestada em contrato de locação. O espólio
afirmou ainda que o ônus da prova acerca da impenhorabilidade recai sobre o
devedor/executado e não sobre o credor/exequente.
Ordem
pública
Ao analisar o recurso, o relator, ministro Luis Felipe
Salomão, observou não haver violação de lei por parte do TJRJ. O ministro disse
que a inexistência de provas sobre a alegada origem da dívida em fiança de
locação foi afirmada pelo tribunal estadual e não poderia ser revista pelo STJ,
ao qual não compete reexaminar provas e cláusulas contratuais em recurso
especial (Súmulas 5 e 7).
Quanto à preclusão, o ministro Salomão
observou que há distinção entre as hipóteses em que a questão já foi alegada e
decidida no processo, e aquelas em que a alegação advém tardiamente, depois de
apresentada a defesa de mérito do devedor.
Na primeira hipótese, segundo
ele, a jurisprudência entende que o magistrado não pode reformar decisão em que
já foi definida a questão da impenhorabilidade do bem de família à luz da Lei
8.009, porque a matéria estaria preclusa. A propósito, o relator mencionou o
artigo 473 do Código de Processo Civil: "É defeso à parte discutir, no curso do
processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a
preclusão."
Na segunda hipótese, quando não existe alegação, tampouco
decisão, não se pode falar em preclusão. Nesse caso, “a impenhorabilidade do bem
de família é matéria de ordem pública, dela podendo conhecer o juízo a qualquer
momento, antes da arrematação do imóvel”.
O relator observou que
eventual má-fé do réu que não alega, no momento oportuno, fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor, com intenção protelatória, pode
ser punida com condenação em custas e perda de honorários advocatícios. Isso,
porém, não se verificou no caso em julgamento.
Questão
irrelevante
Sobre o ônus da prova, Luis Felipe Salomão afirmou
que, como regra, ele cabe a quem alega a impenhorabilidade do bem de família.
Afinal, o devedor responde por suas dívidas com todos os seus bens, e por isso
“consubstancia exceção a oposição da impenhorabilidade do bem de família,
devendo ser considerada fato impeditivo do direito do autor, recaindo sobre o
réu o ônus de prová-lo”.
No caso em julgamento, porém, o ministro
entendeu que o ônus da prova não deveria ser usado para solução da controvérsia.
“Somente há necessidade de a solução do litígio se apoiar no ônus da prova
quando não houver provas dos fatos ou quando essas se mostrarem insuficientes a
que o julgador externe com segurança a solução que se lhe afigure a mais
acertada”, explicou.
Para Salomão, essa questão é irrelevante no caso,
pois o TJRJ concluiu pela caracterização do bem de família com base em elementos
probatórios existentes no processo, não no uso da técnica do ônus da prova. Um
desses elementos foi a indicação do imóvel como endereço do devedor, feita pelo
próprio autor da execução.
Diante dessas observações, o colegiado negou
provimento ao recurso do credor.
stj.jus.br
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