Promulgada no dia 2 de junho de 1992, a Lei 8.429, conhecida como Lei de
Improbidade Administrativa é, na avaliação do presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), ministro Ayres Britto, “o mais denso e importante conteúdo do
princípio da moralidade, do decoro e da lealdade”. Em seus vinte anos de
vigência, a norma, para Ayres Britto, revolucionou a cultura brasileira, ao
punir com severidade os desvios de conduta dos agentes públicos. “A Lei de
Improbidade Administrativa é revolucionária porque modifica para melhor a nossa
cultura”, afirma. “Com ela, estamos combatendo com muito mais eficácia os
desvios de conduta e o enriquecimento ilícito às custas do Poder Público”.
Foi justamente essa motivação que norteou a sua proposição: dotar o
ordenamento jurídico de um instrumento eficaz de combate à corrupção. Na
exposição de motivos do Projeto de Lei 1.446/1991, encaminhado pelo Poder
Executivo ao Congresso Nacional, o então ministro da Justiça, Jarbas Passarinho,
assinalava que “uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda afligem o País
é a prática desenfreada e impune de atos de corrupção no trato com os dinheiros
públicos”. O objetivo do projeto de lei era criar mecanismos de repressão que,
para ser legítimo, “depende de procedimento legal adequado”, sem “suprimir as
garantias constitucionais pertinentes, caracterizadoras do Estado de
Direito”.
Defesa de princípios
A Lei de Improbidade Administrativa regulamenta o artigo 37 da Constituição
da República, que ordena os princípios básicos da Administração Pública
(legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) e prevê
expressamente a imposição de sanções para atos de improbidade. O texto legal
especifica tais atos em três categorias principais: enriquecimento ilícito,
prejuízo ao Erário e atentado contra os princípios da Administração Pública. As
penas fixadas incluem a perda de bens acrescidos indevidamente ao patrimônio, o
ressarcimento integral do dano ao Erário, a perda da função pública, a suspensão
dos direitos políticos e o pagamento de multa.
Nos vinte anos de vigência, a Lei 8.429 resultou, segundo levantamento do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) até março deste ano, em 4.893 condenações nos
Tribunais de Justiça estaduais e 627 nos Tribunais Regionais Federais. Sua
aplicação, porém, ainda é motivo de diversas discussões no âmbito do Poder
Judiciário, tanto por meio de recursos às condenações impostas quanto por
questionamentos diretos sobre o teor e a constitucionalidade da lei. Muitas
delas desembocam ou têm origem no Supremo Tribunal Federal.
Foro por prerrogativa de função
O tema mais recorrente nos recursos contra condenações por improbidade que
chegam ao STF diz respeito ao foro competente para julgar tais casos. É que a
Lei 10.628/2002 alterou o artigo 84 do Código de Processo Penal para estabelecer
o chamado foro por prerrogativa de função de autoridades e ex-autoridades,
inclusive em processos relativos a atos de improbidade administrativa.
Na prática, a lei retirava a competência do juízo de primeiro grau para
julgar prefeitos, governadores e ministros de Estado, que passariam a ser
processados por improbidade nos Tribunais de Justiça, no Superior Tribunal de
Justiça e no próprio STF, respectivamente – da mesma forma que ocorre em
processos criminais. A prerrogativa era garantida inclusive quando a denúncia
fosse feita mesmo com o agente político não estando mais no exercício do
cargo.
Em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2797 e 2860), o Plenário
do STF julgou inconstitucional a Lei 10.628/2002. O entendimento foi o mesmo que
levou a Corte, em agosto de 1999, a cancelar a Súmula 394, que preservava a
competência especial após a cessação do exercício: a de que a ampliação da regra
do chamado “foro privilegiado” não foi contemplada pela Constituição de 1988. No
caso específico das autoridades processadas por improbidade, o fundamento foi o
de que a legislação infraconstitucional não poderia ampliar a competência dos
Tribunais Superiores fixada na Constituição.
O julgamento das duas ADIs ocorreu em 15 de setembro de 2005. Em maio de
2012, ao examinar embargos de declaração opostos pelo procurador-geral da
República, o Plenário acolheu a proposta de modulação de efeitos da declaração
de inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002 para que a decisão de
inconstitucionalidade tenha eficácia desde aquela data.
Com base na decisão na ADI 2797, o STF passou a devolver às instâncias
ordinárias os processos que tinham como parte ex-ocupantes de cargos públicos
que pretendiam ser processados em foros especiais.
stf.jus.br
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