A Editora Abril S/A não deve pagar indenização por
danos morais ao desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal (TJDF) Asdrúbal Zola Vasquez Cruxên, pela publicação de matéria
veiculada na revista Veja, na edição de 8 de dezembro de 1999,
intitulada “Doutor Milhão”.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) afastou a condenação imposta à Editora Abril pelo TJDF, no valor
de R$ 50 mil, pela publicação de material que foi considerado ofensivo à honra
do magistrado. O juízo de primeira instância havia fixado o valor em R$ 200 mil.
Segundo a revista, Cruxên fora citado na Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) do Judiciário, instituída pelo Senado, como responsável por
irregularidades no exercício da função. Citando o relatório da CPI, a revista
afirmou que o magistrado não teria agido com zelo na condução do inventário de
um menor, deixando que fosse dilapidado um patrimônio de cerca de R$ 30 milhões.
O fato teria ocorrido quando Cruxên era juiz titular da Vara de Órfãos e
Sucessões de Brasília.
Outras denúncias
De
acordo com a reportagem, o magistrado foi acusado de cometer crimes de abuso de
poder e prevaricação, além de improbidade administrativa. Cruxên teria liderado
uma reunião na qual os desembargadores do TJDF aprovaram aumento de subsídio
para si e para os demais juízes do DF, triplicando a remuneração, ao custo de R$
30 milhões. A reportagem noticiou ainda que o desembargador teria sido flagrado
em 1985 usando carro oficial numa praia da Bahia com a família.
Entre
outras acusações retratadas pela revista, estava a afirmação de que uma das
filhas do desembargador teria trabalhado para o então senador Luiz Estevão,
quando este ainda era deputado distrital, entre 1996 e 1997. Cruxên julgava
ações de interesse de Estevão no Tribunal de Justiça, tendo supostamente
determinado a paralisação de 14 inquéritos que tramitavam na polícia para
investigar o Grupo OK, de propriedade do ex-senador.
A Editora Abril
sustentou, em sua defesa, que os atos da CPI não eram sigilosos e que utilizou o
título “Doutor Milhão” apenas para chamar a atenção para a matéria, sem intenção
de ofender o magistrado. O TJDF entendeu que a ofensa surgiu da falta de
autorização para o uso da foto que ilustrou a matéria, tirada de Cruxên em seu
ambiente de trabalho.
Jurisprudência
De acordo
com a Súmula 403 do STJ, o uso de imagem de pessoa sem autorização gera direito
a indenização, exceto quando necessária à administração da Justiça ou à
manutenção da ordem pública. Segundo entendimento da Quarta Turma, pessoas
públicas ou notórias têm o direito de imagem mais restrito que pessoas que não
ostentam tais características, o que torna incabível a concessão da indenização
por esse motivo.
O relator do recurso apresentado pela Abril, ministro
Raul Araújo, entendeu que a crítica formulada contra o magistrado se insere no
regular exercício da liberdade de imprensa. A reportagem, segundo ele, foi feita
com base no relatório da CPI, documento público relevante para a vida nacional e
para a democracia do país, uma vez que emanado do Senado Federal.
A
Quarta Turma reconheceu o possível prejuízo sofrido por Cruxên com a publicação
da reportagem, mas considerou que isso não gera direito à indenização por dano
moral, em razão das circunstâncias do caso. Nos conflitos em que estão em jogo a
imagem de figuras públicas e a liberdade de informação, segundo o ministro, é
recomendável que se priorize a crítica. “É o preço que se paga por viver em um
estado democrático”, disse o ministro.
Verossimilhança
A conclusão do ministro Raul
Araújo é que não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de
matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de
opiniões severas ou impiedosas, sobretudo quando direcionada a figuras públicas,
que exerçam atividades tipicamente estatais e de interesse da coletividade.
“O dever de veracidade ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa
não deve consubstanciar dogma absoluto”, apontou Raul Araújo, citando voto
proferido pelo ministro Luis Felipe Salomão, também membro da Quarta Turma, em
outro processo: “A condição de liberdade de imprensa exige, às vezes, um
compromisso ético com a informação verossímil, o que pode, eventualmente,
abarcar informações não totalmente precisas” (REsp 680.794).
stj.jus.br
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