Pensão por morte: muitas vezes, benefício só se
consegue na Justiça
Quem já não ouviu a frase “para morrer, basta estar
vivo”? A morte pertence à estrutura essencial da existência; todos nós somos de
existência limitada, finita. E ela está presente, também, na Constituição
Federal, que, ao trazer disposições sobre o sistema previdenciário brasileiro,
diz que a previdência social terá caráter contributivo e, dentre as variadas
situações às quais oferece proteção, encontra-se o evento morte.
A
pensão por morte existe para dar efetividade à proteção garantida
constitucionalmente. É o benefício pago à família do trabalhador quando ele
morre. Para a concessão do benefício, não há tempo mínimo de contribuição, mas é
necessário que o óbito tenha ocorrido enquanto o trabalhador tinha qualidade de
segurado.
E muitos beneficiários recorrem ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ) para fazer valer o seu direito. A Corte, por exemplo, já firmou
entendimento no sentido de que o termo inicial para o pagamento da pensão
especial de ex-combatente deve ser a data do requerimento administrativo ou, na
falta deste, a data da citação, uma vez que, embora tal benefício seja
imprescritível, é a partir daqueles atos que se forma o vínculo entre a
administração e a parte interessada (REsp 1.173.883).
O entendimento foi
aplicado no julgamento do recurso interposto por beneficiária de ex-combatente
que afirmou fazer jus à pensão especial devido a uma certidão expedida pelo
Ministério do Exército. O relator do caso, ministro Og Fernandes, da Sexta
Turma, destacou que a certidão apresentada é documento idôneo para comprovar a
condição de ex-combatente. “Diante da ausência de requerimento administrativo de
concessão da pensão especial, a prestação será devida a contar da data de
citação da União”, afirmou o ministro.
Também com relação a
ex-combatentes, o STJ já tem jurisprudência pacificada no sentido de que a
pensão por morte deve ser regida pela lei vigente à época do falecimento do
instituidor do benefício. “Falecido o ex-combatente na vigência do artigo 53 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, porém antes da edição da Lei
8.059/90, deve o direito à pensão por morte ser analisado sob os auspícios do
artigo 53 do ADCT e da Lei 3.765/60”, afirmou a ministra Laurita Vaz, relatora
do Recurso Especial 1.172.844.
A ministra destacou, também, que apenas
os filhos do sexo masculino maiores, que não sejam interditados ou inválidos,
ficam excluídos da percepção da pensão por morte instituída pelo ex-combatente,
o que impõe reconhecer o direito das filhas de qualquer condição à pensão por
morte.
Dependência econômica
Nos dias de hoje, a
jurisprudência dos tribunais é firme no sentido de que, caso o ex-esposo ou
esposa não recebesse pensão alimentícia quando o segurado faleceu, se conseguir
demonstrar que naquela ocasião passava necessidades ou que a pensão alimentícia
lhe fazia falta, pode conseguir a pensão por morte.
O STJ consolidou o
entendimento ao editar a Súmula 336: “A mulher que renunciou aos alimentos na
separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido,
comprovada a necessidade econômica superveniente.”
No julgamento de um
recurso do Banco Central contra julgado do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, a Segunda Turma manteve a decisão do TRF5, ao entendimento de que só o
fato de a ex-mulher ter-se divorciado do falecido e, à época, dispensado os
alimentos, não a proíbe de requerer a pensão por morte, uma vez que foi
devidamente comprovada a necessidade (Ag 1.420.559).
Uma curiosidade:
mesmo que o ex-esposo ou a ex-esposa se casem novamente, ou adquira nova relação
de companheirismo, se já recebida pensão por morte, continuará com tal
benefício. O entendimento foi aplicado pelos ministros da Quinta Turma ao julgar
o agravo de instrumento interposto por ex-mulher do segurado, que contraiu novas
núpcias (Ag 1.425.313).
No caso, a mulher ajuizou ação previdenciária
para restabelecer o benefício da pensão por morte que foi cassado pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS). Em primeiro grau, o pedido foi julgado
procedente. Em apelação, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reformou a
sentença, por entender que o novo casamento da viúva/beneficiária extingue a
pensão.
Em sua decisão, o ministro Jorge Mussi destacou que o
entendimento do TRF1 diverge da jurisprudência do STJ, segundo a qual o novo
matrimônio, sem que haja comprovação da melhoria financeira da viúva, não
constitui causa de perda do direito integrante do patrimônio da pensionista.
Companheira, ex-mulher, concubina
No caso de
pensão por morte, é possível o rateio igualitário do benefício entre a ex-esposa
e a companheira de servidor falecido. Segundo a ministra Laurita Vaz, no
julgamento de recurso em mandado de segurança, a vigência de matrimônio não é
empecilho para a caracterização da união estável, desde que esteja evidenciada a
separação de fato entre os cônjuges (RMS 30.414) .
“O concubinato não
pode ser erigido ao mesmo patamar jurídico da união estável, sendo certo que o
reconhecimento dessa última é condição imprescindível à garantia dos direitos
previstos na Constituição Federal e na legislação pátria aos companheiros,
inclusive para fins previdenciários”, afirmou a ministra em seu voto.
No
caso, a viúva do servidor foi surpreendida com a redução do valor usualmente
percebido. Segundo informações obtidas junto à administração estadual, a redução
se deveu ao rateio igualitário do benefício com a amante do seu marido, que teve
sua relação de concubinato reconhecida pela Justiça. Inconformada, a viúva
recorreu contra o ato administrativo e conseguiu reverter a situação.
“A
pretensão da concubina, deferida pela administração pública, não encontra
guarida, sendo impossível reconhecer-lhe a condição jurídica de companheira,
porquanto manteve com o de cujus relacionamento que se amolda ao concubinato e a
esse, inclusive para fins previdenciários, não são garantidos os mesmos direitos
atribuídos à esposa ou à companheira”, concluiu a ministra, em seu voto.
Já no julgamento de um recurso especial da União, que pretendia a
desconstituição da companheira de um segurado como beneficiária, o STJ reafirmou
o entendimento da Corte de que, reconhecida a união estável, é desnecessária a
designação prévia da companheira como beneficiária (REsp 1.235.994).
No
caso, a companheira de ex-servidor do Ministério da Marinha comprovou
documentalmente a união estável com ele e requereu a concessão de pensão por
morte. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região entendeu que os documentos
apresentados – entre eles ação declaratória de união estável transitada em
julgado e cópia da sentença que a incluiu como beneficiária da pensão
previdenciária deixada pelo ex-companheiro – eram suficientes e decidiu que o
benefício seria devido desde o requerimento administrativo.
A União
recorreu da decisão, mas a Segunda Turma do STJ ratificou a decisão do TRF5 ao
entendimento de que, “com o advento da Constituição de 1988, que reconheceu como
entidade familiar a união estável (artigo 226, parágrafo 3º), a companheira
passou a ter o mesmo direito que a ex-esposa, para fins de recebimento da pensão
por morte, sendo desnecessária sua designação prévia como beneficiária”.
Filhos e afins
Em geral, quem recebe pensão por
morte é a esposa/companheira, quando o marido/companheiro falece, ou ao
contrário, o marido/companheiro, quando a esposa/companheira é falecida.
Entretanto, a legislação previdenciária possibilita que outros dependentes
recebam a pensão por morte.
Um caso frequente é o da pensão advinda do
falecimento do filho. “Esta Corte tem reconhecido, continuamente, o direito dos
pais ao pensionamento pela morte do filho, independentemente de este exercer ou
não atividade laborativa, quando se trata de família de baixa renda”, afirmou a
ministra Eliana Calmon, no julgamento do Recurso Especial 1.133.105.
Outra questão julgada pelo STJ é o da filha separada – desquitada ou
divorciada – que solicita o recebimento da pensão instituída por servidor
público falecido, conforme a Lei 3.373/58. “Segundo a jurisprudência do
Tribunal, a filha separada, desde que comprovada a dependência econômica para
com o instituidor do benefício, é equiparada à solteira para o recebimento da
pensão”, afirmou a ministra Laurita Vaz, ao julgar o Recurso Especial 1.050.037.
A Segunda Turma, ao julgar recurso em mandado de segurança, garantiu a
um menor absolutamente incapaz o direito de receber pensão pelo falecimento de
sua avó, e também tutora, pensionista do Ministério Público de Minas Gerais (RMS
33.620).
O menor, portador de encefalopatia crônica infantil, foi
tutelado pela sua avó paterna ante a ausência de condições financeiras dos pais
biológicos. No STJ, ele pretendia a reversão a seu favor do benefício
previdenciário de pensão por morte de sua tutora.
O Tribunal de Justiça
de Minas Gerais negou o pedido, considerando que a incapacidade de um menor
tutelado por sua avó exclusivamente, por si só, não gera direito previdenciário
se o avô faleceu antes da tutela e o pretenso beneficiário não estiver inscrito
no órgão previdenciário como dependente, nem atender aos requisitos para ser
inscrito como tal.
No STJ, o relator, ministro Castro Meira, destacou
que a guarda transfere o poder familiar ao responsável, que passa a ter direitos
e deveres perante o menor, à semelhança dos pais, que ficam destituídos daquele
poder. Portanto, ainda que não formalmente incluído como dependente no instituto
de previdência estadual, o menor adquiriu essa condição ao ser deferida a tutela
judicial.
Prescrição
A moderna jurisprudência do
STJ tem reiteradamente se posicionado no sentido de que o prazo prescricional,
nos casos em que se discute o direito à pensão por morte, é quinquenal.
“A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, no caso de
pretensão de recebimento de pensão por morte, transcorridos mais de cinco anos
do óbito do instituidor do benefício, deve ser reconhecida a prescrição do
próprio fundo de direito, não se evidenciando qualquer relação de trato
sucessivo”, afirmou o ministro Teori Albino Zavascki, ao decidir recurso do
viúvo de uma ex-servidora (AREsp 66.703).
O mesmo entendimento foi
aplicado no julgamento de um agravo de instrumento interposto pela União contra
decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Ao considerar a data de óbito
do instituidor (maio de 2003) e, ainda, que o autor do recurso contava com 19
anos na data do ajuizamento da ação (fevereiro de 2009), o TRF4 concluiu que não
havia decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 219 da Lei 8.112/90,
uma vez que não corre prescrição contra menor (Ag 1.352.918).
“O acórdão
recorrido encontra-se em perfeita harmonia com a jurisprudência firmada por este
Superior Tribunal de Justiça, que consolidou entendimento no sentido de que,
independentemente da natureza do direito ou ação contra a fazenda pública,
incide a prescrição quinquenal”, afirmou o ministro Castro Meira, em sua
decisão.
Relação homoafetiva
O Brasil demorou a
reconhecer as uniões homoafetivas e alguns tribunais ainda resistem a tratá-las
como união estável. Entretanto, o STJ já considera essa união válida, até porque
a Constituição Federal, em seu artigo 5º, garante a igualdade entre as pessoas.
“A regulamentação das famílias homoafetivas é medida que se impõe no
atual cenário social, não podendo o Poder Judiciário, nesse momento, furtar-se a
oferecer as proteções legais que tais relações demandam, até porque são
geradoras de importantes efeitos patrimoniais e afetivos na vida de muitos
cidadãos brasileiros”, afirmou o desembargador convocado Celso Limongi, no
julgamento de um recurso especial da União contra decisão do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (REsp 932.653).
O TRF4 considerou que não se deve
menosprezar os princípios da Constituição em favor da discriminação
preconceituosa.
“Independentemente das teses enunciadas pelos diversos
pretórios, é uníssono o repúdio da jurisprudência pátria à negativa aos
companheiros homossexuais dos direitos que são ordinariamente concedidos aos
parceiros de sexos diversos. O companheiro homossexual concorre igualmente com
os demais dependentes referidos no artigo 16, inciso I, da Lei 8.213/91. A União
deve arcar com as parcelas vencidas da pensão desde o requerimento de
habilitação do companheiro na via administrativa ou, na ausência desta, a partir
do ajuizamento da ação”, afirmou o tribunal em sua decisão.
A União
recorreu ao STJ alegando que o conceito de união estável, previsto no artigo 226
da Constituição, não ampara as relações formadas entre pessoas do mesmo sexo.
Para o desembargador convocado Celso Limongi, relator do caso, desigualar o
tratamento de parceiros homoafetivos para negar-lhes a pensão por morte é
desprezar o valor da dignidade humana.
“Ficou devidamente comprovada a
união estável entre o autor e seu falecido companheiro, servidor público, à
época da morte regido pela Lei 8.112/90, motivo pelo qual agiram bem as
instâncias ordinárias ao conceder a pretendida pensão por morte”, disse o
magistrado.
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